segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

GRALHAS SEM GRALHAS

Por Antunes Ferreira 
Ontem, caí ou melhor recaí na asneira, feiras: fui à Feira do Algodão, era o último dia do certame que decorreu aqui mesmo ao lado, ou seja a uns quatrocentos metros da rotunda de Gaspar Dias, que hoje é Daias. O i é ai, como se recordam os que têm umas luzes ainda que incipientes do English do terceiro ano do liceu. Incauto mas paciente ouvi relatar as maravilhas apresentadas, a magnífica oportunidade de comprar mais barato, o último dia é a ocasião indicada, os feirantes estão a tentar despachar a mercadoria antes de emalar a trouxa. Fui. Fomos. 
De acordo com a Indira – a Costa, esposa do Carminho, colega da Raquel no Liceu Nacional Afonso de Albuquerque, já desaparecido, ou seja no plural, o Capitão-Mor e o liceu – esta era muito diferente das outras por que eu já passara e por isso não valia a pena torcer o nariz. Guardei, portanto, para outra oportunidade a torcedela. Confesso: pequei, sem perdão nem bula. À primeira, cai quem quer – mas à nonagésima segunda só os burros ou os distraídos. Por mais que me digam o contrário creio que me considero integrando o grupo último… 
Já estivera, ao longo dos muitos anos em que venho andando por Goa, em outras feiras, também com algodão, mas não só, e tiradas a papel químico (deve ainda haver gente que se recorda do que é) umas das outras. Para dar um exemplo, junto, apenas, umas quantas: Anjuna, Arporá, esta nocturna, Margão, Mapuçá. Já chega, não necessito de explicar que se trata das localidades onde elas decorrem. Mas, esta é diferente neste particular. Acontece no Campal, antes mesmo de Miramar e a caminho de Dona Paula. Ou seja na zona chique de Pangim. Feira fina é realmente outra coisa. 
Uma feira é uma feira, aqui ou na rotunda do Relógio, em Kuala Lumpur, Banguecoque, Bruxelas ou em A dos Cunhados. Muitos vendedores, bastantes candidatos a compradores, mirones em barda, um que outro agente da autoridade, honestidade 9,6%., marosca 54,7 %, ingenuidade 41,7 % e outros componentes com as percentagens correspondentes ao método de Hondt. Ressalve-se um que outro caso e creio que este , não sendo excepção, é pelo menos paradigmático. Uma feira, por aqui é um mundo de mini pormenores, ainda que não sejam surpresa. 
As coisas não são tão simples como parecem. Por vezes, o estofo das pessoas é pior do que o dos bancos dos automóveis com o prazo de validade ultrapassado; mas no caso em curso não se pode dizer que a Feira do Algodão fosse uma decepção. Além dos tecidos propriamente ditos, incluindo os saris multicolores , havia uma panóplia de artigos diversos de espantar um santo ou o Vishnu que é mau como as cobras. De resto, este deus tem enroladas ao pescoço, aos braços e correlativos diversas serpentes. A figura é porém adorada não vá os ofídios tecê-las. 
As senhoras estavam nas suas sete quintas, isto é várzeas, não havia expositor que lhes escapasse. O grupo era constituído pelas já citadas Raquel e Indira Costa, e também pela Tina Viegas, esposa do Ivo, outro colega da minha caríssima metade. Apalpavam os materiais expostos, este algodão é tão suave que mais parece seda, as cores parecem seguras, por vezes a tinta é um tanto suspeita, kitlé (quanto é) aqui, kitlé acolá, com muitas discussões de preços, muitas vezes usando os vendedores máquina de calcular para que não haja enganos - sempre lamentáveis. 
Coabitando com o algodão, há cabedais diversos, carteiras de couro verdadeiro, não é plástico, veja, isqueiro aceso na pele curtida do animal não arde, bugigangas em metal amarelo – abundam os budas, os elefantes, as lâmpadas, os crocodilos, os ganeshes e os cristos e até a Senhora de Fátima . Pulseiras e colares, nem falar, tantos são. Na banca ao lado há os produtos artesanais de Cachemira, os papiê-machês, as caixas, as caixinhas, os sahkris (as gôndolas do lago Dal) e, desafiando o nome do certame, as sedas polícromas:; só faltam as house.boats (as casas barcos) certamente por falta de espaço. E o haxixe, pelo menos às claras. 
Recordo-me de, já lá vão uns bons anos, em Shrinagar, uma das duas capitais do estado que continua a ser discutido entre a Índia e o Paquistão, o ministro chefe (primeiro ministro só no Governo Central), Sheique Abdalah , durante um almoço que me oferecera, me perguntou se eu já tinha experimentado o haxe. Respondi-lhe que não, nunca me metera em tais assados, ao que ele me respondeu que dois ou três cigarros por dia não faziam mal, bem pelo contrário, até davam saúde. Tente, tente, recomendara-me - mas eu não tentei. Feitios.
Fechada a parentética, volte-se ao mercado. De seguida havia os brinquedos de madeira, os patos que grasnam quando “andam” nas suas quatro rodas, as galinhas que põem ovos, os reco-recos, os piões, convivendo com as cordas de saltar com punhos no material lenhoso, as casinhas regionais, os jogos educativos, até um ábaco elementar, para os putos aprenderem a fazer contas e compras. Singularmente descobri um triciclo, todo de pau polido e uma scooter desta feita pintada. Aliás, motos, motociclos, scooters e correlativos são mais do que as mães nas ruas e estradas.
A peregrinação feminil arrastava-se por via das buscas minuciosas, das negociações fiduciárias, das comparações algodonais, das cores, dos acabamentos dos saris, dos seus bordados, penso que este é mesmo a fio de ouro (não é, mas parece), das blusinhas do vestuário tradicional da Índia e dos modelos cristãos, vestidos, saias, blusas, calças para senhoras, e ao invés do calçado típico, sapatos de corte ocidental, sandálias e até botas de tacão alto. Uma inundação de roupas e sapatos que nem vos conto.
Ah, já me esquecia da Valentina Tereskova, uma jovem russa que sabia dizer ok e thank you em inglês e pouco mais - mas que era o que podem ver na gravura, nela acompanhada por uma miudinha que “adoptara “ a termo certo. Isto explicou-me o nosso condutor privativo desde há sete anos, o Premanand em tradução livre do infantil concani ou konkani como agora se escreve. O Premanand já faz parte da mobília (e da família), é hindu, casado, com uma filha que vamos conhecer em breve. A cara-metade, essa , já a conhecêramos há dois anos.
Repetiam-se as doses para gentlemen de todas as cores e feitios a condizer com a cor da pele de cada um. Eu abstive-me, pois já mandara fazer, naturalmente por medida dois fatos de meia estação, umas calças e quatro camisas de manga comprida que me tinham custado a enormidade de 230 euros, mais cêntimo, menos cêntimo, o que me parecera caríssimo, a vida é feita de alegrias mas também de contrariedades, 
Resumindo. Vim para fora do enorme pavilhão da feira, com mais de setenta ventoinhas, pelo menos as que contei sem garantia. Para não vir de mãos vazias comprei um cinto King Kong size, ou seja a minha medida, o que é difícil de encontrar. Três euros e poucos cêntimos de cabedal. Acabei assim a minha Feira. Não acabei, não senhor. À saída encontrava-se um vendedor de aperitivos diversos, mas com um denominador comum: o picante. Adquiri uns quantos de cinco qualidades, 300 gramas cada saco de plástico pesado cuidadosamente em balança de Robervale. Um euro e oitenta cêntimos – uma gastadeira.
As senhoras saíram, comentando as mercas e porque torna e porque deixa e etc. Jurei, para mim mesmo, acautelando a minha integridade física arriscada por possível agressão marital, que não voltaria a cair na esparrela feiral. Decisão irrevogável-temporal. Até à próxima feira.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Lisboa, Reino do Absurdo

Rua de São Ciro - 30 Nov 2013
Apesar de ser sábado, dia de estacionamento gratuito, este condutor prefere ocupar o passeio. De caminho, ele (e outros como ele) vão destruindo a calçada...