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Por Nuno Brederode Santos
MUITO DO QUE LUÍS FILIPE MENEZES quis provocar com a sua demissão está atingido. A frase é dele, não é minha. Passei-a para a terceira pessoa, para dispensar as aspas e assim guardar o recato que ele enjeitou. Como quem põe óculos escuros, quando o Sol não brilha e a moda não recomenda.
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O artigo de Menezes no DN da passada sexta-feira é um documento assinalável, mesmo se mais não é do que uma actualização e um aprimoramento do que o autor vem escrevendo desde que, falhada a vaga de fundo, a sua estrela se revelou meteorito e trocou o brilho pelo livor baço de um desencanto pasmado. No seu universo juvenil de super-heróis da banda desenhada, ele toma Santa Helena pela ilha de Elba e renega a avareza do destino para as segundas - ou, neste caso, terceiras - oportunidades. Na sua revisitação permanente de Peter Pan e Sandokan, ele acredita poder pôr este a voar e quer o menino de Kensington Park a esgrimir de alfange com o capitão Gancho. Dos anos, que dizemos verdes, em que apostamos mais em nós do que na nossa vida, retive um ensinamento de Baltazar Gracián: devemos ser humildes quando a fortuna nos bafeja e prudentes quando ela nos despreza. Lá do alto do seu Olimpo mitómano, Menezes desprezou os dois conselhos.
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É claro que isto são coisas da alma, pulsões das vísceras e acrobacias do carácter. O facto de, pela terceira vez em quarenta e cinco dias de prometido silêncio sobre a nova liderança - e desta, ao contrário das outras, sem o pretexto de estar a falar numa qualquer qualidade não partidária - não comporta, aos seus olhos, problema algum. Ele acredita que o povo partilha o seu pessoalíssimo código de comportamento político e a sua insanável indignação com o seu destino no mundo. E os adversários políticos do PSD saúdam até a sua transformação de problema do regime (que ele era, enquanto líder) em problema interno do partido. Mas, dito isto, é claro que o artigo de Menezes não tem nada de estúpido, nem um estúpido chega à liderança de um partido político com implantação nacional.
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O texto é um olhar de enternecido êxtase ao próprio umbigo: subir para cima não é um pleonasmo quando proclamado por quem sobe para baixo. Mas é também um exercício habilidoso enquanto tentativa de emprestar coerência a um happening de escassos meses. E é provavelmente movido pelas ilusões de quem não entendeu as consequências de jogar tudo numa mesa de casino (amanhã, se a vida do PSD andar para trás, já há muita gente melhor colocada do que ele para um qualquer futuro partidário). "Saímos porque quisemos, quando quisemos" são trinta e quatro caracteres de público e fátuo onanismo. São como o manso protesto de Charlie Brown, quando a vida lhe é madrasta ou alguma humilhação lhe bate à porta: "My mother likes me." Afagam-lhe o ego e não prejudicam ninguém. Mas, moralismos aparte, é bem mais lúcido na crítica feroz que dirige a Manuela Ferreira Leite e a uma estratégia que, ao fazer-se de silêncios, abstenções, ambiguidades e colagens às palavras circunstanciais do Presidente da República, mais não visa do que ganhar (?) tempo para fazer as listas para as eleições que aí vêm e esvaziar de quaisquer novos resultados esta legislatura. Nesta matéria, a mais recente justificação é, de resto exemplar: o que ao PSD cabe não é apresentar alternativas, mas apenas fiscalizar o Governo. Porque acontece que fiscalizar o Governo cabe (em primeira mão) ao Parlamento - no seu conjunto e institucionalmente. Esta proclamação tem, por isso, o alcance prático de banalizar a oposição do PSD, que seria afinal igual às outras. Todos os partidos parlamentares podem fazer - e fazem - essa oposição. Mas o PSD é o maior e, em nome disso, até já reivindicou maior saliência no estatuto da oposição. Até reclama para si (e explicitamente não para os demais) o direito de consulta prévia a qualquer grande investimento público. É nele que, num primeiro relance, o eleitorado pensará quando um dia se cansar do PS - porque ninguém vota nos demais partidos de oposição julgando que eles irão, por si, formar Governo.
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É tudo isto que Menezes põe a nu. Fá-lo, de resto, assumindo uma nova missão que diz não desejar: a de se constituir, não apenas em fiscalizador da acção da nova liderança, mas em seu opositor (mais um, aliás). E a de ir permitindo, num caso a caso de palavras mansas e suaves vagares, que a margem da (essa, sim) fiscalização interna de Passos Coelho vá crescendo. Ainda agora, à margem de uma reunião partidária e depois de anunciar a iniciativa de uma "plataforma de reflexão", ele pôde dizer - com óbvia razão - que o PSD não vai lá se não afirmar um projecto "de esperança".
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«DN» de 20 de Julho de 2008.
NOTA: eventuais comentários a esta crónica deverão ser afixados no blogue Sorumbático - ver [aqui]
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