Por Antunes Ferreira
SÓ EM AGOSTO morreram cinco bombeiros quando combatiam os
incêndios florestais que todos os anos assolam o nosso País. Todos os anos
também as autoridades e os governantes se insurgem contra os que não tomam os
cuidados prévios para obstar a que o fogo destrua árvores, mas também
plantações e até casas. Todos os anos se repetem os avisos para que a limpeza
do mato e a abertura de aceiras permita o acesso dos homens e mulheres que
combatem as chamas. Aparentemente em vão. Infelizmente
em vão.
Durante os dezasseis anos em que trabalhei no “Diário de
Notícias” incluindo alguns como chefe da Redacção, tive a oportunidade (má) de
coordenar as reportagens desses sinistros, mas também de ouvir os governantes
com mais responsabilidades neste particular que, antes da época estival,
anunciaram que os meios de combate aos fogos tinham sido reforçados para
acorrer às futuras necessidades, tinham-se até criado entidades próprias para
superintender os trabalhos no terreno.
Passou agora um quarto de século – leram bem, um quarto de
século, ou seja 25 anos – do dia em que aconteceu o grande incêndio do Chiado.
Os meios da comunicação que existiam à data desenvolveram as reportagens mais
completas sobre o inferno que se abatera sobre uma zona muito especial da
capital. Eu próprio tive a oportunidade de me deslocar à rua do Crucifixo, onde
a minha mãe estava num lar, para ver se lhe era necessário algum
acompanhamento, pois as senhoras foram retiradas do braseiro.
Escrevi então uma crónica que intitulei Ai
o meu canário pois a minha progenitora havia saído do local e na
atrapalhação dos trabalhos de salvamento esquecera-se da gaiola do pássaro que
lhe fazia companhia. E, obviamente, do bicho. Quando a consegui encontrar e
verifiquei que felizmente estava sã e salva, o que, como se compreende, me
deixou finalmente acalmado, a Dona Glória voltou-se para mim: ai o meu canário!
A experiência ensina sempre qualquer coisa ao homem. Neste
caso dos quatro mortos no exercício de funções tão difíceis e complicadas,
verificaram-se várias reacções. Muita gente enviou os pêsames às corporações a
que pertenciam os inditosos bombeiros e bem assim às respectivas famílias. O
caso que mais comoveu o público em geral foi o que se verificou com uma
bombeira, Rita Silva, que com a brigada de que fazia parte, oriunda dos
arredores aqui de Lisboa.
O fogo aconteceu no Norte, mais precisamente na serra do
Caramulo. A infeliz percorreu muitos quilómetros para ir encontrar a morte.
Mas, poucos dias depois, ou seja na quinta-feira desta semana, e ainda na mesma
serra, foi a vez de mais uma bombeira, Cátia Pereira, de 21 anos, dos
Voluntários de Carregal do Sal. Sete elementos mais que combatiam o fogo
ficaram feridos, quatro da mesma corporação e três pertencentes aos Grupos de
Intervenção, de Prevenção e Socorro (GIPS) de Santa Comba Dão. Dos quatro
primeiros -quando redigia esta crónica, na mesma quinta-feira - ainda não se
sabia a sorte de dois, pois tinham sofrido queimaduras graves em 60% do corpo.
Desde 1980, 107 bombeiros portugueses morreram por causa dos
incêndios. Conforme dados da Autoridade Nacional de Proteção Civil, o mês de
agosto é a época de maior ocorrência de incêndios florestais e apenas 1% tem
causa natural. Os principais motivos estão relacionados a negligência e
acidentes após queimadas irregulares e outras práticas proibidas nesta época do
ano.
A morte dos bombeiros causou comoção nacional. Cerca de mil
pessoas acompanharam o funeral de Rita Pereira, e a partir daí, milhares de
utentes da internet registram protesto na página da Presidência da República de
Portugal no Facebook por causa do suposto silêncio de Aníbal Cavaco Silva
quanto ao falecimento dos bombeiros. Porém e segundo a Presidência da República
em comunicado, Cavaco Silva prestou solidariedade diretamente aos parentes e à
corporação.
Depois de casa roubada, trancas à porta? Parece que sim, pois,
de seguida foi o (apelidado) primeiro-ministro que na quarta-feira se apressou
a visitar o centro de operações da Autoridade
Nacional de Protecção Civil para fazer o ponto da situação. No final do
encontro que ali decorreu, Passos Coelho assegurou aos jornalistas que apesar
de Portugal viver um período de “contenção orçamental”, “os meios considerados
adequados” para o combate aos incêndios “foram devidamente disponibilizados”.
E já na quinta-feira
negra Passos Coelho visitou a serra do Caramulo onde enalteceu o trabalho dos
bombeiros e da coordenação de operações. Confrontado com a morte de Cátia
Pereira, disse que "É outra situação trágica, que traz sempre um peso,
mesmo do ponto de vista psicológico para todos aqueles que estão a dar o seu
melhor no combate aos incêndios". Mas afirmou também que a serra tinha
sido “realmente um pouco azarada”, devido aos incêndios que ali vinham
acontecendo. Um pouco azarada? Raio de comentário.
Podemos todos, nós os Portugueses, estar sossegados,
pois o (des)Governo está de olho em cima do que se decorre quanto a labaredas.
Isto apesar da crise. O país estava preparado para vencer o desafio das chamas.
Pois. Teve de pedir auxílio pelo menos à Espanha e à França para que estes
países emprestassem meios aéreos, os quais colmataram os “meios considerados
adequados”. Mais fogo, menos fogo, as autoridades estavam à coca. Bem
hajam.
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