Por Antunes Ferreira
NA PASSADA quinta-feira pudemos confirmar o que já sabíamos:
em Portugal há filhos e enteados. Naturalmente que era do conhecimento público
que isso acontecia nos mais diversos sectores da sociedade e em especial no que
concerne à política. Que no caso vertente é mais Pulhítica, o que
lamentavelmente já se tornou corriqueiro. No entanto, agora, essa duplicidade
maniqueísta teve confirmação oficial, ou seja em termos de lei.
Não sendo totalmente motivo de preocupação, tanto mais que
continuamos denodadamente a manter o cinto apertadíssimo – ainda que, graças ao
esplêndido (des)Governo, já tenhamos saído da recessão técnica e portanto nos
sintamos muito aliviados, ela dá que pensar que, pensar pensamos ainda não é
proibido. Em época de crise (ou terá também ela saído dessa recessão técnica
que, confesso o meu pecado, não sei bem o que é, mas de forma tão sigilosa que
nem deu para entender a subtileza?) os políticos da Madeira, nomeadamente
governantes e deputados regionais, vão continuar a acumular a pensão de reforma
com a remuneração do exercício do cargo.
Convém que apresente um ponto de ordem à mesa – neste caso
do Orçamento. E porquê? Porque a proposta de lei do Orçamento de Estado para
2014 proibia os titulares de cargos políticos das regiões autónomas de continuarem
a acumular reforma com vencimento, em consonância com a regra que vigora no
Continente e nos Açores. A proposta do Governo, no seu artigo 76º, alterava a
lei 52/A/2005, passando a incluir os membros dos órgãos de governo próprio das
regiões autónomas e os deputados às assembleias legislativas regionais na lista
dos titulares de cargos políticos sujeitos ao novo regime relativo a pensões e
subvenções.
Mas eis que providencialmente em sede de comissão
especializada, os actuais governantes e deputados madeirenses foram excluídos
da proibição que atinge, entre outros, o alegado PR, ou seja o Imóvel de Belém
e a insigne presidente da AR Assunção Esteves, a tal que considera que
manifestações nas galerias do Parlamento são crime.
Este regime de excepção em todo o país vai continuar a
privilegiar o presidente do governo madeirense, Alberto João Jardim (PSD), o
presidente da Assembleia regional, Miguel Mendonça (PSD), a secretária do
Turismo, Conceição Estudante (PSD) e a vice-presidente do parlamento, Isabel
Torres (CDS). Maximiano Martins (PS) recusou a benesse, decidindo doar o seu
vencimento de deputado a instituições de solidariedade.
Desnecessário se torna, pois, mais qualquer explicação da
dupla cada vez mais famosa Filhos & Enteados, S.A. Metendo a mão na
consciência - podem não acreditar, mas ainda uso disso -, há algo de errado na
qualificação de Sociedade Anónima, que, pelo contrário é perfeitamente nominal.
Basta ver os nomes constantes do parágrafo anterior para entender a correcção.
É certo que estes não entram em lista inserida na lei; mesmo assim, são uns
felizardos.
Curiosamente, a iniciativa de alterar o artigo 76º da
proposta orçamental partiu dos quatro deputados da Assembleia da República que
representam o PSD-Madeira, que alegaram que a matéria do estatuto remuneratório
dos governantes e deputados madeirenses “é da reserva da iniciativa da
Assembleia Legislativa da Madeira, não podendo ser objecto de lei ordinária”,
Guilherme Silva, Hugo Velosa, Correia de Jesus e Cláudia Aguiar propuseram a
não inclusão dos titulares de órgãos de governo próprio das Regiões autónomas
na proibição de acumular a pensão com a respectiva remuneração do exercício do
cargo.
A discussão dos Orçamentos tem sempre aspectos muito
peculiares; veja-se como as coisas decorreram. Posteriormente, em substituição
do aditamento defendido pelos quatro deputados madeirenses, os lideres
parlamentares do PSD e CDS/PP, Luís Montenegro e Nuno Magalhães,
subscreveram uma proposta de eliminação, segundo a qual os actuais
governantes e deputados regionais, embora incluídos no regime nacional, poderão
continuar a acumular os dois valores “até a cessação do mandato ou ao termo do
exercício daquelas funções”. Na votação na especialidade, esta proposta
foi aprovada com os votos dos dois partidos da coligação, os votos contra do PS
e a abstenção do PCP e BE.
Victor Freitas, o líder do PS na Madeira classificou de
“inaceitável e eticamente reprovável” a cedência do PSD e CDS, considerando um
“escândalo nacional” que a coligação valide “benefícios pessoais do presidente
do governo regional”. E acrescentou que era lamentável que os deputados do PSD
eleitos por esta região tivessem trocado “o seu voto a favor do Orçamento pela
manutenção da acumulação do salário com a reforma do dr. Jardim”.
Mas as coisas não ficaram por aqui. Em protesto contra a
alteração à versão inicial do Orçamento de Estado para 2014, o deputado
regional do PND, Hélder Spínola, anunciou para ontem uma iniciativa na
Assembleia da República. “Como agradecimento pelo favor prestado na manutenção
de uma mordomia que representa para Alberto João Jardim mais de dez mil euros
por mês”, ele ofereceu um cacho de bananas da Madeira ao grupo parlamentar do
PSD.
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