Antunes Ferreira
P
|
orra! Permitam-me
e desculpem o desabafo pessoal mas tenho de descomprimir e contar o pesadelo por
que vou passando. Conto, como sempre, com as vossas paciência, benevolência e
aceitação. Enquanto que para Cristiano Ronaldo 2016 é o melhor da sua vida
profissional, para mim é um ano esfarrapado. Não é, no entanto, o horribilis de Isabel II (que teima em
sobreviver), mas realmente é esfarrapado. Se não veja-se o que me tem
acontecido desde o dia 1 de Janeiro, o que prova o que anteriormente enunciei: e-s-f-a-r-r-a-p-a-d-o! Não acreditam?
Eu conto e depois me dirão se tenho ou não tenho razão. Desculpem-me a chatice
que vos dou.
A
|
penas
chegados a Goa tivemos, a Raquel e eu, a dolorosa noticia dada pelo Miguel, o
nosso primogénito, de que a Bebé, a Maria Gabriel, falecera. Estava internada no
Pulido Valente com um cancro nos pulmões – fumava mais do que uma chaminé de
carvão para produzir electricidade. E além disso carregada de metástases por
tudo o que era corpo. Toda a gente a
tinha avisado; parava, mas mal o anunciava, já estava a recair no cigarro.
E
|
ra muito
mais do que nossa irmã; era nossa Amiga. Durante quarenta anos. Em muitas
situações, algumas muito graves, estava sempre presente para nos ajudar e
amparar. Comia aos sábados colectivos connosco, era mais uma da nossa família.
Viúva aos 26 aos de um Amigo excelente desde os tempos em que jogávamos râguebi
nunca voltara a casar. Fora militante do MRPP, mas o tempo “curara-a”. Completara
62 anos.
T
|
ínhamos ido
visita-la antes de partirmos; bem ao contrário de muitos maus dias, estava
bem-disposta, não se sentia atabafada e o médico aquando da visita diária,
dissera-lhe que lhe daria alta. Logo que entrámos no apartamento de Miramar,
nossa habitual pousada em Goa, a Raquel telefonara-lhe para saber como passara
a noite. Excelente, o médico quer-me amanhã em casa. No dia seguinte foi o
telefonema do Miguel: morrera durante a noite, sufocada.
L
|
ogo como se
fora uma rajada, menos de um mês passado, recebia por imeile uma desgraçada
informação: falecera de cancro o meu vogal no Conselho Fiscal da ANACOM, a que
presido, e também meu bom Amigo José Vieira dos Reis ex-bastonário da Ordem dos
Revisores de Contas que eu ajudara a mudar para de Câmara passar a Ordem, OROC.
E que depois do ministério das Finanças (eu estava num dos piores momentos da
depressão bipolar) me levou a para a nova Ordem como assessor dele e chefe da
informação. Mau! O ano prometia…
E
|
m Goa tudo
corria (e felizmente correu) no melhor dos mundos. Regressámos a Lisboa e logo
recomeçaram as chatices. Recebemos a triste notícia de que o Ion Floroiu,
antigo embaixador da Roménia em Portugal e outro grande Amigo tinha partido (sei
lá para onde) em Bucareste, vítima de mais outro cancro. Antes de partir para Panjim
tínhamos ido durante duas semanas à capital da Roménia – coisa que há muito nos
“pedia” – para passa-los com a família e estava tudo bem. Agora, reconhecíamos
que fora como que uma despedida.
P
|
orém, ainda
teria de haver mais merdas. Estávamos em
falta na apresentação do IRS em comum, como sempre, porque estávamos em Goa. O
Miguel fez-nos a declaração, também como sempre, através da Internet. As
Finanças aceitaram-na. Simulação: tínhamos de pagar 747,86 euros. Melhor do que
no ano anterior. Parecia que tinham desaparecido as nuvens negras que sobre nós
pairavam.
M
|
as veio
carta da Autoridade Tributária: havia qualquer coisa mal e tinha de me deslocar
à Repartição de Finanças. Para além da multa, aliás coisa pequena, tínhamos de
fazer duas declarações separadas. Resultado 2.867,06 euros. Caiu-me tudo o que
tinha pendurado aos pés. Já era pior do que o deus-me-livre. Tinha de pedir que
o pagamento fosse em seis prestações sem juros, pois não tinha tais massas disponíveis.
Ainda aguardo a decisão, mas parece que a solicitação foi deferida. Vá lá...
E
|
ntrementes,
mais uma facada. O Miguel era há 26 anos director financeiro e administrativo
da AVIS – Rent a car – e em 2011 fora considerado (e galardoado) o melhor da
Europa nas suas funções. Mas os americanos tinham comprado a firma e começaram
a moer o espírito do meu filho. Ao fim de quatro anos em que lhe “fizeram” a
cabeça para ver se ele se demitia, pois já tinham eliminado quase todos os
trabalhadores a começar pelo Director-geral de Lisboa, tinham-no considerado
péssimo e sem mais aquelas demitiram-no.
A
|
os 52 anos
um homem (e economista) por cá é considerado “velho”. Ainda anda à procura de
emprego sem grandes hipóteses, mesmo com a experiência de quem trabalhou mais
de duas décadas e considerado sempre o melhor até virem esses pulhas americanos
conluiados com outros pulhas – os espanhóis - que ansiavam fechar Lisboa e
passar todo o serviço administrativo para Madrid.
U
|
m homem não
é de ferro. O meu primogénito anda descoroçoado. E eu como pai também ando.
Mais uma machadada que levei. As coisas pareciam ter acalmado. Pura ilusão. O
que viria a seguir – e veio – por inesperado, fez-me ter medo o que não me é
vulgar até que... Nas picadas angolanas como oficial miliciano tive-o; um homem
não é de pau e não nasci para ser herói. Porra! Estou farto de 2016!
E
|
agora estou metido num grande “alhada”. Mais uma. Resumo: há umas semanas fui à minha
médica de família que, depois de me ter observado cuidadosa e minuciosamente, pelos
sintomas que eu apresentava disse-me que poderia ter Parkinson. Caramba! Como
devem compreender, fiquei muito abananado, quase perdi a cabeça, enchi-me de receios
e até pensei em abandonar a escrita – o que para mim seria fatal!
A
|
té escrevi
um imeile à Maltamiga a contar o que se passava, mas sem mencionar o nome da
doença, o que motivou centenas – exactamente centenas – de resposta
desejando-me as melhoras e solidarizando-se comigo. Malta bué da fixe!!!! Entretanto,
com a ajuda de dois médicos meus amigos durante os primeiros cinco anos do
Camões fui-me acalmando. Novos medicamentos tinham aparecido durante os últimos
anos; com eles iria passar sem problemas até ao fim da vida. E indicaram-me
neurologistas, para tirar dúvidas.
T
|
enho andado
à procura de um deles, qualquer que seja, para tentar marcar já uma consulta ao
que encontrar primeiro. Os meus amigos disseram-me que todos eram
competentíssimos. Depois do diagnóstico final, iria saber o resultado. Mas, em
Agosto, toda a gente vai de férias. Devo,
pois, de aguardar sem me enervar, não vá de novo aparecer a maldita depressão
bipolar, Vade retro Satanás. Foram
quatro anos de pesadelo que não posso nem quero repetir!
E
|
hoje (2016/08/24) quando estava a terminar
este escrito, telefona-me o meu irmão Braz, (o único que agora tenho, pois o
outro, João, há muitos anos dera um tiro na cabeça com a espingarda com que
caçava elefantes em Angola…) a comunicar-me chorando, que acabara de saber que
tem um cancro na próstata. Ele vive e tem escritório no emirado Ras Al Khaimah
(EAU), como engenheiro consultor de cimenteiras. Que posso fazer daqui? Gaita!
Claro que, mesmo assim, contactei o Vasquito, primo da Raquel (e meu) que vive
no Dubai, e que logo começou a ampara-lo. Boa gente…
E
|
agora digam-me
se 2016 não é para mim um ano muito esfarrapado. Já chega. Como dizia um senhor
numa telenovela brasileira: que mais me irá acontecer? Porém aqui chegado faço uma reflexão. Diz
o ditado que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. E a
esperança é a última a morrer. As nuvens negras vão desvanecer-se e o sol
brilhará intenso. Tenho de olhar em frente e seguir o meu caminho. Com força e
firmeza. Nada de fatalismos; nada de fados. A força da razão vencerá a razão da
força (?) É com este espírito tão positivo quanto me é possível que termino
esta crónica/catarse. Não esquecendo o que disse o marquês de Pombal. "O
homem tanto pode que, mesmo depois de morto, ainda são precisos quatro para
tira-lo da sua casa.."
(Aproveito o ensejo para agradecer do fundo do coração a todas e
todos que me manifestaram a sua preocupação, a sua solidariedade, o seu apoio e
a sua amizade; por isso deixo aqui um muitíssimo obrigado!)
Sem comentários:
Enviar um comentário