Nesta rubrica escrevo, a
partir de hoje, estórias
que se baseiam em
episódios vividos por mim
nas mais diversas
circunstâncias, desde as familiares
até às profissionais, tentando assim repartir
com os leitores deste
blogue experiências que fiz
durante a minha vida e
que, na generalidade, e
se o tempo retroagisse, voltaria a viver.
Espero que gostem.
Por Antunes Ferreira
Fui
mobilizado para Angola em 1966, depois de já ter sido promovido a alferes
miliciano. Os acasos da vida aqui não entraram pois outros factores me forçaram
a embarcar no “Uíge”
com mais dois mil bicos fardados que foram encontrar a bordo uns quantos mais e
quantas - e outros, entre as nove e as onze, mais acolhedores do que os
restantes membros da tripulação. Estes últimos, poucos, tentaram de imediato
fazer ralações, ups, relações mais próximas com os memb…,
ups, a malta castrense. Vidas.
A
viagem correu satisfatoriamente, só houve, logo à saída da barra um soldado da
Mouraria que meteu noutro três centímetros duma ponta-e-mola e quem levantou o
auto adivinhem? Só a modéstia natural me impede de dizer que fui eu…
E durante ela que demorou 14 dias tentei descobrir os mistérios insondáveis do
brídege, tarefa que me foi quase infrutífera dada a condição do animal –
eu –
não me entusiasmar assaz com jogos de cartas e, sobretudo, porque as partidas
eram a dinheiro e isso nunca fiz, faço e farei (conheço que disse façarei, mas
isso é outra estória. A bordo, todos os oficiais gabavam a minha sorte, o que
parecia ser a ironia suprema que não era; ao contrário desses militares cuja
família ficava no Puto, a Raquel esperava-me em Luanda.
Minha mulher decidira ir também à guerra,
uma muito especial, levando o Miguel e o Paulo como acompanhantes, porém sem
guitarra nem viola. De resto, ela, quando abre a boca (até hoje) faz chorar de
emoção que a ouve? Nada, faz chorar sim as pedrinhas da calçada horrorizadas
perante as notas e as semifusas de tal sorte que há quem lhe chame filha da
pauta. O desembarque no porto de Luanda decorreu sem grandes sobressaltos, a
maioria do pessoal de trombas e eu com sorriso achincalhante.
Não resisto qui a contar anedota que
corria por entre guindastes, cadernais e outros. Um soldado, pisando tereno
firma vê um menino preto a vender jornais. Pergunta, “olha
lá catraio o jornal é de hoje?” E a resposta pronta do negrito: “não,
patrão, é doje e quinhentos”. Adiante,
siga a estória ultrapassado que foi este breve parênteses. O Serviço de
Justiça, minha especialidade levou-me à CCS/QJ – RMA, sigla cabalístico-militar
que trocada por palavras queria dizer Companhia de Comando e Serviços do
Quartel- General da Região Militar de Angola.
Salto aqui o que foi a minha vida entre
autos e processos até às colunas ao mato; mas, estas merecem uma explicação
mais pormenorizada. A minha especialidade como acima disse era SAM –
Serviço de Justiça. Descodifico: Serviço de Administração Militar. Daí que a minha
arma habitual era uma BIC laranja. Mas, de Lisboa, o ministro do Exército,
general Luz Cunha, mandara um despacho para o general comandante da RMA (sigla
acima) decretando que tratando-se eu de um elemento subversivo e comunista
devia como prémio fazer colunas ao mato e, se possível, as piores possíveis. As
possibilidades de que o alferes miliciano A. Ferreira levar um tiro eram
possivelmente as mais possíveis.
Fiz umas quantas, bastantes, a locais
pouco recomendáveis, desde Zala até Nambuangongo, passando por Sazaire. Pedra
do Feitiço e quejandos. Sem ter apanhado o tal tiro recomendado. Passou o tempo
até que completei cinco anos fardado. Por mor da PIDE que então não era DGS lá
passei à peluda, jargão castrense que quer dizer passar à disponibilidade, ou
seja regressar à vida civil. Se voltasse a Lisboa tinha a vida mais complicada
por obra da prestimosa organização policial/política que gostava muito de mim.
Para melhor, muitíssimo.
Já desfardado, um dia, ou seja, uma
noite decidimos a Raquel e eu entre lençóis tentar a fabricação de uma menina
pois já estávamos abonados de dois rapazes. Porém, o parto resultou numa “cachopa”
que se chamou…
Luís Carlos, contra todas as previsões de familiares e amigos que juravam a pés
juntos o sexo feminino para a nascitura que, finalmente, foi um nascituro
portador de saúde e de pulmões; na vizinhança faziam-se apostas sobre os
decibéis do puto.
A Raquel entendeu dar o primeiro banho
ao recém-chegado com os outros dois a assistir, a fim de desde logo conjugarem
o verbo amar e o espírito de família com o júnior. E logo, depois de o
desflraldar, o Miguel cochichou para o Paulo: “olha, ele tem um
pirolito igual ao nosso”…
E se os augúrios tivessem acertado e fosse uma catraia?
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