Por Antunes Ferreira
PEDRO SANTANA LOPES criou a frase que ficou nos anais da
história política de Portugal: “vou
andar por aí…” Numa remake deturpada, Aníbal Cavaco Silva, quando
confrontado pelos jornalistas para que esclarecesse a sua enigmática declaração
sobre a possibilidade de enviar ao Tribunal Constitucional o Orçamento de 2014,
afirmou com um sorriso (o que é raro, e os que exibe são no mínimo forçados)
que face à questão, pedissem ao ministro Poiares Maduro que elucidasse o que
ele, Cavaco tinha querido dizer, pois “ele
anda por aí”.
Curiosa esta “delegação
de poder para explicar afirmação alheia”. Não consta que a nova “figura
política” esteja contemplada em algum código jurídico. Donde, o apelidado
Presidente da República que já inventara o façarei
e os cidadões, criou agora uma
também nova legislação (?) ad hoc. No
meio da balbúrdia que grassa nos meios presidências/governamentais – o que é o
mesmo -, esta sentença é, realmente, inesperada, mas simultaneamente sintética,
concisa e clara. Muito obrigada, Senhor Professor Doutor.
De homens como este, sábios, brilhantes, cultos,
dialogantes, inspirados – quiçá pela Senhora de Fátima e pela sua (dele)
caríssima esposa – carece este País. Porém, felizmente, eles emergem das águas
mais revoltas; para ser mais específico, ele emerge. Sem margem para dúvidas,
Cavaco emerge, contrariando assim os que afirmam que imerge. Arquimedes
enunciou que "Todo o corpo mergulhado num fluido em repouso sofre, por
parte do fluido, uma força vertical para cima, cuja intensidade é igual ao peso
do fluido deslocado pelo corpo."
Aliás, é bom que não se esqueça a sua deslocação às
Desertas, a fim de visitar as cagarras. Ainda que em navio da Armada Portuguesa
ele nunca imergiu. Fá-lo-ia talvez se tivesse utilizado um dos submarinos que
Paulo Portas “arranjou”; mas não foi esse o caso. E sem pretender abandalhar
este escrito, poder-se-á dizer que o Senhor Silva também não emergiu; não andou
sob as águas do mar revolto, mas sim, sobre. Está-se, portanto, perante um
émulo do Cristo. O mais alto magistrado da Nação – expressão utilizada, como é
sabido, nos tempos salazarentos, mas que a Cavaco se aplica como uma luva –
tem, pois, uma aura divina. E apóstolos.
Relembra-se aqui o episódio evangélico do caminhar sobre as
águas, protagonizado pelo filho (?) do carpinteiro e pelos doze discípulos que
o acompanhavam habitualmente. Conta a estória (que não se pode confirmar por
não existir documento comprovativo) que o Nazareno recomendara à dúzia que o
seguia, “Tende fé, camaradas, e andareis sobre as águas” – ressalve-se o termo
aqui utilizado, que pode ser substituído por amigos - que nesse caso
eram as do mar da Galileia.
Em abono da verdade – e antes de concluir o ocorrido – há
que dizer que uma outra versão do milagre foi relatada por Mateus (14:22-33), Marcos (6:45-52) e João (6:16-21). Mas, para
o caso, há que retomar o que se vinha relatando. Evangelhos há muitos; pelo
menos quatro; mas se contarmos com os apócrifos, que se diz serem cinco a coisa
toma outro perfil e, bem entendido, outra dimensão. Adiante.
Os treze intérpretes do suposto milagre começaram, então, a
caminhar sobre as águas, com os doze acólitos maravilhados e, ao mesmo tempo,
espantados com o feito. Perdão, a dúzia, não; os onze. Isto por que Judas
Iscariotes começou a imergir. Já preocupado, ele bateu no ombro de Filipe que o
antecedia, solicitando-lhe que passasse palavra a fim de que o Mestre soubesse
que ele, Judas, já tinha OH2 pela cintura.
Assim se fez; e o Senhor, voltou-se para Pedro que o seguia
uns passos atrás e disse-lhe que, segundo em caminho inverso ao que se
verificara, fosse acentuado a Judas que tivesse fé e andaria sobre as águas.
Mas, quando a informação chegou ao Iscariotes, este já tinha água pelo peito. E
de novo, o caso repetiu-se, com a transmissão oral – que me seja permitida a
expressão um tanto pecadora, em linguagem politicamente correcta e usada em
campanhas eleitorais, boca a boca.
Quando já estava imerso até aos primeiros pelos da barba, o
apóstolo e futuro bufo repetiu o apelo. Este chegou a Jesus que, entre o
preocupado e o irónico, respondeu a Pedro: “pronto, não se fala mais nisso;
ensinem-lhe a localização das pedras. Estas sim, estas emergiam. Passe o
anedótico da estória, há que reconhecer que ela tem algum fundamento: não se
deve acreditar nem na própria sombra. Si
non e vero, e bene trovato.
Voltando à expressão utilizada na política nacional, o andar por aí já ganhou foros de
consagrado de tão repetido. A única dúvida que subsiste consiste em tentar
saber que o próprio Cavaco não entendeu o que antes afirmara. O que é
absolutamente natural nele, até mesmo com laivos de
patológico. Mas o ministro Maduro baldou-se: ele também não entendeu. Apesar do
apelido, ele está ainda muito verde.