Quando se chega ao topo da subida que vai da praça da
Igreja para o Altinho, quase em frente do edifício da All India Radio, antiga
Emissora de Goa no tempo dos Portugueses, encontra-se à esquerda a vivenda
Navarro Menezes rodeada de buganvílias, onde vive a Frederika Menezes.
Antes de prosseguir com o
escrito, explanem-se umas quantas informações para quem nunca esteve por
aquelas bandas. Altinho é o nome de um bairro de Pangim, a capital do
actual estado de Goa. É considerada a zona residencial da elite goesa, aqui se
localizando a residência do ministro-chefe do estado, o paço patriarcal, a
sede do comando militar, bem como os aposentos de muitos funcionários do
governo e políticos. Algumas instituições de ensino estão também aqui instaladas.
O Consulado de Portugal tem igualmente aí as suas instalações. Há uns oito
anos quem assina este texto mais a sua caríssima metade
viveram por lá um mês, em andar alugado. Frise-se que a casa dos Melos na Raia,
Salcete, em que a Raquel viu a luz do dia, foi vendida em tempos anteriores
pois, além de grande e por isso de caríssima manutenção, um bem que para a
família do meu sogro que se deixara ficar por Goa representava encargos
difíceis de suportar. As duas irmãs e o mano Carlos puseram-se de acordo: o
varão abdicava de quaisquer resultados financeiros com a transacção.
Uma nota quase sentimental sobre a quase mansão. Quando pela primeira
vez pisei o solo goês, em 1980, naturalmente ali fomos de visita, quase
romagem. Ninguém a habitava, estava completamente vazia de mobiliário (que
tinha sido trazido por familiares em viagens sucessivas ou pura e simplesmente
roubado). Mesmo sem a conhecer antigamente, fiquei um tanto emocionado. Subimos
ao sobrado, o primeiro andar, termo que por cá também é encontrada sobretudo na
província. O vazio era motivo para alguma desolação, quer da Raquel, quer de eu
próprio.
Paredes nuas e escalavradas, soalho
esburacado, uma tristeza espalhada no ar, uma poalha filtrada pelo sol que
esmorecia ao final da tarde. Vogámos ao sabor do nada, lá em baixo no quintalão
o estábulo dos búfalos também estava vazio, naquela mangueira andei a apanhar
manguinhas verdes para fazer o chepeni ambli, diz a Raquel e, de supetão, numa
parede uma réstia de vida: a foto do nosso casamento que tínhamos enviado para
a avó Raquel. Levamo-la, diz a Raquel neta e eu que não, aí está, aí fica.
Frederika Raquel Menezes, nasceu em Pangim, em Setembro de 1979 e
infelizmente portadora de paralisia cerebral, filha de dois médicos, o Dr. José
Menezes e a Dr.ª Ângela Menezes. Cedo começou a exibir uma inteligência
brilhante e os pais quiseram que ela frequentasse uma escola normal. Depois de
algumas vicissitudes, completou a sua formação escolar quando tinha 16 anos, ou
seja em 1996. Já publicou três livros e o quarto está na forja. Dona de uma
grande cultura, lê muito, escreve muito e também pinta. A cadeira de rodas
é-lhe indispensável, e o motorista de casa, o Sebastião, Sebi, adora-a e cuida
dela como se fosse filha dele. É ele que a leva ao colo até à cadeira, é ele
que a mete no carro do pai Zito, é ele, enfim que há quase 20 anos a acompanha
sempre que é preciso.
Goa reconheceu que Frederika era um
caso especial e logo que publicou a sua primeira obra, em 1998, uma colectânea
de poemas a que deu o título The Portait, no ano seguinte foi galardoada com
o J. C. Arward (Junior Citizen of the Year). Não parou
mais de escrever e tem na gaveta mais alguns originais. Entretanto já neste ano
saiu a público o livro que tem como título Unforgotten. No
qual deixou uma simples dedicatória. Mãe Angela informa que treinou durante
horas para conseguir escrevê-la. É vê-la acima, no título. Mas, como parece que
o tempo não lhe faz mossa, está já no prelo um conjunto de poemas para jovens.
Tive a oportunidade de ver as ilustrações feitas pelo artista goês Justino
Lobo. E são excelentes.
Converso com Frederika, o que é um
prazer, dado o nível dela. É uma interlocutora do mais alto coturno.
Confessa-me que tentou fazer um poema em Português, mas acha que não ficou bem;
porém, acrescenta, já mo mandara por mail para apreciação. E também gostaria
que eu a ajudasse a encontrar um músico que o adaptasse a canção. Resumindo,
fui buscar as estrofes e achei bem. Para que me possam deixar as vossas
opiniões elas aqui ficam:
Perdida
- Frederika Menezes (lyrics)
Sinto-me perdida
Toda envolvida pelo teu olhar
Fui tão louca
Pensando que podia escapar
Este amor
Este sentimento
O teu falar
Palavras que ficam
No meu pensamento
Quando estou longe de ti
Não me lembro como sorrir
Tu tens a chave
De minha alegria
Olha querido
Não me deixes a mim!
Não sei como dizer
Tu és o meu
Sol de viver
Não quero imaginar
Minha vida
Sem você
Não quero deixar
De desejar
Que tu estás perdido
No meu olhar...
Eu sou perdida
Toda envolvida pelo teu olhar
Tão louca
Pensando que posso escapar
Este amor
Este sentimento
O teu falar
Palavras que ficam
No meu pensamento
Para primeira experiência
em Português até está muito bem, digo-lhe, ainda que haja coisas que poderiam
sair melhor, mas o tempo há-de burilá-las; quanto à música, já pedira parecer
para Portugal, a ver se alguém estava interessado em fazê-la. Frederica
está sentada na cama dela, o pai e a mãe assistem à conversa, vão buscar os
desenhos que ilustram o novo livro que está para sair. Na parede, um quadro da
autoria dela onde se misturam as cores deleitando-se com a proposta pictórica.
Pintas muito bem e Frederika sorri. Pinto com o computador, com pincel a mão
não conseguia.
O pai Zito já me
dissera uns anos atrás que teria gostado de ir a Portugal, mas por mor dela,
não o poderia fazer, viagem de avião era complicada e assim por diante. Mas, de
repente lanço-lhe um desafio: Gostavas de ir a Portugal? Abrem-se-lhe os lábios
da felicidade, qual criança grande atira um siiiimmmmm!!!! Os pais
encolhem-se, eu vou dizendo que nos aviões há todas as condições para os
deficientes e farei tudo o que for possível para o desejo se concretizar. E
Frederika, com o riso a iluminar-lhe o rosto, há sempre o navio… Numa árvore um
pássaro entoa um piar sincopado. Anuncia chuva ou boda. Por agora, bem pode
cantar.
Sem comentários:
Enviar um comentário