Por Antunes Ferreira
ESTAVA EU a menos de uma semana da partida para Lisboa, deixando o
Paraíso em que vivera nos quatro meses da estadia, embalando as trouxas, quando
aconteceram os 40 anos do libertário 25 de Abril. A Fundação Oriente resolvera
assinalá-lo com um espectáculo de fado, sob a orientação do arquitecto Khol de
Carvalho, seu delegado em
Pangim. Era apoiada pelas seguintes instituições: Semana de Cultura Indo-Portuguesa, Cidade de
Goa e Instituto Camões. Actuaria a fadista Cláudia Duarte no salão nobre do
Menezes de Braganza Institute, o anterior Instituto Vasco da Gama no tempo dos
Portugueses.
Logo à entrada um deslumbramento: os painéis de azulejo azul e
branco. Sobre a viagem do navegador português que pela primeira vez na História
do Mundo fez a viagem Lisboa-Calecute pelo mar. Os indianos mantiveram-nos, o
que não admira num país onde as artes são uma constante, desde os templos
magníficos até aos quadros polícromos onde os homens do Sul, mais morenos, são
pintados a azul. Para um Português, os azulejos são uma maravilha.
Um salão com capacidade para 250 pessoas, mais coisa, menos coisa,
encheu-se para ouvir a fadista, acompanhada pelo seu guitarra portuguesa, Rui
Martins, e na viola Carlos Meneses, um virtuoso goês. A assistência era porém
maior do que a capacidade e muita gente ficou em pé, até na antecâmara do
salão. Cláudia organizara um work-shop sobre o fado e nele tinham participado
as três premiadas do Concurso de Fado de Goa, Nadia Rebelo Danica Silva Pereira
e Minoska Dias.
O público rendeu-se a Cláudia Duarte, com uma presença em palco
perfeita, explicando em inglês e português o que ia cantar; esguia, ágil,
encantadora, a fadista transmitiu os sentimentos expressos nas canções que
apresentou. Falta dizer que... canta muitíssimo bem! Tem uma voz potente e vai
fazendo dela o que quer, tão depressa elevando-se a sonoridades pujantes, qual
Amália, tão depressa recolhendo às mais intimistas, aos sussurros, a
tonalidades que ela própria compara às da saudosa Maria Teresa de Noronha.
Nas duas pausas das suas interpretações, guitarradas completaram a
actuação da fadista.
Cláudia que era a primeira vez que vinha a Goa,
que a deixou entusiasmada e deslumbrada, com situações diversas, como por
exemplo as inúmeras lojas que ostentam nomes portugueses, bem com placas de
trânsito onde eles constam também. Citou o jardim Garcia de Orta, no centro da
capital, o que me faz recordar a minha professora da quarta classe, Dona Clélia
Marques que quando algum de nós dizia Garcia da Orta ou
Marquês do Pombal em vez do correcto de, presenteava
o faltoso com umas palmadas com a menina dos cinco olhos, vulgo palmatória.
O concerto foi um êxito total, com a sala a
aplaudir cada fado e a rir quando Cláudia usava o inglês, que atalhou dizendo
que como sabia que na assistência havia muita gente que ainda falava o
português, então iria empregar as duas línguas. Risos e aplausos misturaram-se
com naturalidade. E a sala chegou ao rubro quando Cláudia cantou
juntamente com as três meninas locais. Para mim foi um espectáculo
entusiástico, de tal forma que sotto voce
acompanhava as letras dos fados. Era a confirmação do meu passado fadista...
Após um final em glória, muita gente foi até junto da cantora para
obter um autógrafo no seu último CD, "Povo". Eu também o fiz e
disse-lhe que a sua actuação me fizera ter orgulho de ser Português. As
lamentáveis tricas das comemorações do Dia da Liberdade em Portugal nada tinham
a ver com a sinceridade e a sensibilidade e a arte dela. Houve
muita emoção, comoção e lágrimas entre os espectadores.
Sem comentários:
Enviar um comentário