Salustiano é nome de
goês. Carlos Salustiano Caldeira. É com ele que converso. Ali ao lado corre,
molengão, o Mandovi. Não há batelões que usam transportar o minério, porque há
20 meses que as minas foram encerradas porque a maior parte delas era ilegal.
Mas, os navios-casinos continuam fundeados no rio e barcos de transporte dos passageiros
vão ondulando entre os portos de embarque e os costados. Um dia contarei a
estória destes jogos de azar. Basta, porém, que hoje diga que os naturais já
estiveram proibidos de lá entrar, mas a sentença voltou atrás.
Estamos na esplanada
Riviera que pertence ao Hotel Mandovi e se encontra em frente dele. É um local
aprazível para conversar, tomar uns copos, discutir sobre a possibilidade de um
novo aeroporto, avaliar dos prejuízos causados ao estado de Goa pelo larvar
mineral. Ali mesmo ao lado, está um dos dois ferryboats que atravessam o rio
engolem e vomitam pequenos pot-pourris de gente, motorizadas e automóveis e até
camionetas. São barcos velhos e estão programados novos, não se sabe bem para
quando.
Enquanto eu, desgraçado, vou matando a sede – os graus
centígrados atingiram os 40 – com uma Diet Coke, misturada com a água duma garrafa e
vinte quilos de gelo (os empregados de mesa já se habituaram ao insólito pedido
e trazem-me quantidades substanciais dele) Salustiano escorropicha um uísque Amrut que
é feito de cevada indiana, seleccionada no norte dos estados de Punjab,
Haryana e Rajasthan e a sua água é proveniente
do sopé do Himalaia e também de Bangalore.
Com a correspondente soda. O Amrut já começou a conquistar o Mundo, e aqui só
os entendidos o pedem. Salustiano é.
Curiosamente li há poucos dias que na Índia,
com uma população de 1,2 mil
milhões, há poucas estatísticas mundiais que o país não domina. Ligadas ao
consumo mas, sobretudo, à pobreza, falta de condições sanitárias ou
desigualdade social. No entanto, há dados que, aparentemente, não entrariam nas
contas dos mais devotos conhecedores das estatísticas globais. De acordo com o
Euromonitor International, a Índia consome metade do uísque vendido globalmente
no Mundo, sendo que esta percentagem vai subir até aos 70% em 2017. Resumo: os
indianos consomem 1,2
litros de whisky per capita por ano, estando
atrás dos franceses (2,15
litros por pessoa) e dos norte-americanos (1,5 litros por pessoa,
por ano).
Não entrando em minudências, limito-me a referir o pormenor singular, mais um dos
muitos que por aqui encontro. E fascinantes. Continuamos a charla virando-nos
para o críquete. Antes de vir com alguma frequência a Goa e a outros estados
deste subcontinente, pouco ou mesmo nada entendia deste desporto, a par com a
ignorância similar sobre o beisebol. Agora, porém, já sigo pela televisão umas
partidas em que a Índia já foi campeã mundial em 2011. Uma explicação simples
sobre este jogo proveniente também do Reino Unido, tal como o futebol.
As
equipas têm onze jogadores e os encontros decorrem num campo
circular sem dimensões fixas, mas sempre muito amplo. Os movimentos principais
passam-se numa faixa rectangular de 20,1 metros de comprimento, no centro do campo,
onde a bola (de cortiça e couro) chega a voar a 150 km/h. Ela é
lançada à mão pelo atirador contra o alvo do adversário (três varetas fincadas
no solo, chamadas stumps, cujo conjunto é conhecido como wicket), que é defendido
pelo batsman , o batedor com o seu
bastão. Este, depois de rebater o esférico corre ao longo do rectângulo. Resta
acrescentar que nas bancadas igualmente circulares uma multidão delira com as
jogadas.
Marcar
mais de 10.000 corridas,
para um batsman é considerada
uma conquista significativa em One Day International Criket (ODI), ou seja o topo da carreira. O primeiro foi alcançado pelo indiano Sachin Tendulkar, que
se retirou em 2011, depois de conquistado o título mundial, que acaba de ser galardoado com a condecoração mais alta da
Índia. É um verdadeiro herói nacional. Sobretudo quando dava a vitória nos confrontos
com o Paquistão. Que são assim a modos dum Portugal-Espanha em hóquei em patins
do antigamente, mas com mais porrada o que pareceria impossível, mas não é.
Sabe-se da figadal “amizade” entre estes dois países… Os jogadores também
são pagos a peso de ouro, tal como no desporto-rei.
Levanta-se
o Salustiano, aliás sem grandes pressas, é nestas alturas que
me lembro sempre do meu compadre Manel de Estremoz, tenho de ir ali ao mercado,
as mal curadas já chegaram em força e o preço baixou em flecha. Elucido: é
denominação das primeiras mangas que aparecem e que nada têm que ver com as
grandonas que se vendem em Portugal, brasileiras, venezuelanas e afins. As
goesas cheiram e sabem a… mangas reais; as outras
são mais a atirar para a plastic food. Quem não tem cão, caça com gato.
Também tenho
que fazer: às seis e meia da tarde, vou encontrar-me no Aunty Maria do Hotel
Fidalgo, com o Mário Bruto da Costa, advogado, irmão do Alfredo que já foi
ministro em Portugal e é conhecido pelas suas profundas preocupações sociais,
nomeadamente no que concerne a pobreza. A conversa será, tanto quanto penso,
sobre o livro de que Mário é autor do livro “A Terceira
Corrente” em que aborda a intervenção política do pai, o Dr. António Anastácio
Bruto da Costa, o advogado que ficou bem conhecido pela tareia que deu ao então
governador-geral do “Estado Português da Índia” Quintanilha de
Mendonça Dias.
Conheci Mário Bruto da
Costa, já depois de ter lido o seu livro que comprara ao Vasco Pinho, a que
penso dedicar também um escrito, bem como à troca de impressões com o jurista
com quem iniciei mais uma bela amizade. Foi no consultório do analista Dr. Dumé
onde ambos esperávamos para ser sangrados pelo ilustre clínico. Dada a
flagrante parecença com o Alfredo Bruto da Costa, intrometido como sempre foi,
sou e serei perguntei-lhe se seriam da mesma família. Somos irmãos,
respondeu-me. Logo lhe retorqui que era então ele o autor da obra que acabara
de ler. E pronto.
Como ainda rondavam as
cinco e quase meia minutos, e seguindo as pegadas do Salustiano, decidi-me a ir
também até ao mercado chamado pelas mangas novas e pelos chicus, estes, no
entanto, de pouca qualidade para a época. Mas, quiçá poderia mercar uma ou duas
papaias. À porta, como sempre, um leproso arrepiante estendia a mão à caridade.
Um turista fotografava-o a troco de umas moedas que lhe atirou depois. Eu nunca
o faria, achei uma desumanidade, mas, cada qual é como é. Entrei e logo à
frente de uma exposição de frutos diversos dormia tranquilamente um vendedor. A
sagrada hora da sesta, pelos vistos, também funciona entre cocos, bananas,
peras, abacates, ananases e outros, até mesmo uvas.
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