domingo, 2 de novembro de 2008

O PARLAMENTO NO SEU LABIRINTO

Por Nuno Brederode Santos
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DEIXO AOS CONSTITUCIONALISTAS as hipotéticas implicações do veto a duas normas do Estatuto açoriano. Já vários se pronunciaram num sentido que não alinha com as duas unanimidades parlamentares registadas. Mas houve quem visse no facto de o Presidente da República não ter suscitado a apreciação do Tribunal Constitucional, optando pelo veto político, um sinal de facilidade para uma próxima e terceira votação parlamentar. Não me parece que tenham muita razão. O Presidente não suscitou a questão porque temeu a decisão do TC - incorrendo, de resto, num erro, pois em nada ela o inibia (ou diminuía) de recorrer depois ao veto político. Mas, entretanto, o provedor de Justiça anunciou ir pedir a fiscalização sucessiva da constitucionalidade das normas e o presidente do Tribunal Constitucional, habitualmente parcimonioso em aparições e palavras, veio já declarar que existe um caso análogo - que desconheço - em que o Tribunal se pronunciou pela inconstitucionalidade (e não vivem neste mundo os que afirmam que as fiscalizações sucessivas "levam anos" a apreciar: só revelam não entender a especialíssima natureza desta mobilização de instituições).
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Isto devia bastar para aconselhar temperança àqueles que pensam que tudo é lícito ou que tudo vale a pena, desde que o ganho de causa imediato esteja garantido. Os que esquecem que não basta merecermos as vitórias, porque as vitórias que não nos merecerem virão sempre ensombrar-nos o futuro. Mas há os que gostam de ir mais alto e mais fundo. Além, onde mora a política e o direito é instrumental do bom senso. Porque o problema que enfrentamos é, acima de tudo, político.
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A autonomia insular visa, entre outras coisas, o "reforço dos laços de solidariedade entre todos os portugueses" (na já ingénua fórmula do n.º 2 do art. 225.º). Mas a prática autonomista foi-se progressivamente afastando desse propósito, soprada por ventos cada vez menos solidários e preocupados com a coesão nacional. E as sucessivas revisões constitucionais foram-no consagrando, na lógica perversa do "porque não, se já hoje se faz assim?". Com o PSD a proteger as "suas" ilhas e, mais tarde, com a vitória do PS nos Açores, o PSD a pensar na Madeira e o PS a pensar nos Açores. Depois, no Parlamento, todos os partidos - sem excepção - a pensarem que quem puser água fria nos fervores autonomistas irá, por certo, perder lá as eleições. E daí, e só daí, as tão extraordinárias quão fáceis unanimidades. Assim se chegou à verdade de hoje, com as autonomias a imporem um relacionamento com a República que assenta nisto: ser seu tudo o que produzem e cobram, mais a parte que "lhes cabe" do que os portugueses produzem e o Estado cobra e ainda poderem reivindicar que este pague acriticamente o remanescente, que é o diferencial entre tudo aquilo e os custos finais de políticas, boas ou más, mas que frontalmente recusam qualquer consideração pelo todo nacional e qualquer veleidade da República em se intrometer nas suas decisões. E se os Açores já hoje apresentam números lisonjeiros no ritmo comparado do seu desenvolvimento, a Madeira está já entre as três regiões portuguesas com melhores indicadores. Ora Açores e Madeira têm os chamados custos da insularidade, é certo. Mas também têm menos de 250 mil habitantes cada qual, ou seja menos do que Braga ou Setúbal. Há outros custos: os da interioridade, por exemplo, hoje geradores das maiores assimetrias sociais deste país. Como explicar a alentejanos, transmontanos e beirões a sua obrigação de estarem a pagar, sem um critério que possam entender, os custos que não conhecem e não os deixam ajuizar, das autonomias insulares?
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É por força desta evidência que tantos que acabaram de votar, por duas vezes, o Estatuto anunciam agora que mudam de posição. E a maioria socialista, em vez de se sentir chocada com isso, devia ponderar de novo os interesses do todo nacional e deixar cair uma guerra institucional sem futuro. Até porque A. J. Jardim, que já anunciara ir repegar no processo autonómico no ponto a que os Açores chegassem, veio agora apresentar, no "Madeira Livre", as suas reivindicações para a próxima revisão constitucional: uma delas é a substituição da expressão "Estado unitário". Como já aqui escrevi, o horizonte já nem é o Estado federal. É uma união pessoal em república, com excepção das obrigações financeiras para com os - afinal - "federados". E as complacências de hoje já não travam a reposição, amanhã e em forma agravada, dos problemas.

«DN» de 2 de Novembro de 2008.
Este texto é uma extensão do publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

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