terça-feira, 25 de novembro de 2008

Poluição Sonora

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Por Nuno Crato

NÃO SEI SE O LEITOR costuma ir ao supermercado. Quem vai de manhã, pouco depois da abertura, e procura um carrinho, repara que eles foram estacionados em filas paralelas, mais ou menos do mesmo comprimento. Durante algum tempo, as filas vão diminuindo ao mesmo ritmo e mantêm-se de comprimentos semelhantes. Mas se o leitor passar pelo mesmo sítio umas horas depois, reparará que há filas de carrinhos muito mais longas que outras e que o comprimento das mais longas vai aumentando.
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Ao princípio, enquanto os carrinhos estão a ser retirados dos locais de depósito, os clientes equilibram automaticamente o comprimento das filas — cada um, preguiçosamente, retira o carrinho que está mais perto de si, ou seja, o que está no final da fila maior. Assim, os comprimentos das filas tendem a ser reduzidos em paralelo. Quando os primeiros clientes voltam e o ritmo de retorno dos carrinhos aumenta, há filas que crescem muito e outras que ficam pequenas. A preguiça dos clientes leva-os agora a depositar os carrinhos na fila maior. E quanto maior for a fila mais tende a crescer.
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O problema tem sido estudado matematicamente e sabe-se que apenas ao princípio do dia o sistema tende a um equilíbrio. Nessa altura, corrige-se a si próprio — é estável. Quando o ritmo de depósito aumenta um pouco, torna-se divergente ou instável, como se diz.
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No corpo humano há muitos sistemas que se regulam a si próprios, mas alguns são divergentes. Quem passa muito tempo com auriculares nos ouvidos, ouvindo música muito alto, não só aborrece quem está ao lado, no café ou no autocarro, como pouco a pouco começa a ter problemas de audição. Isso fá-lo ouvir a música mais alto, o que ainda provoca mais problemas. O mesmo se passa com as «aparelhagens» aos berros nos carros, que não só perturbam quem está nas redondezas como vão ensurdecendo os ocupantes, que vão precisando de berros cada vez mais altos, que cada vez mais os ensurdecem e ainda mais incomodam os outros. O sistema é divergente.
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Há tempos, considerava-se a perda de audição como um problema exclusivo dos idosos, mas hoje sabe-se que essa perda é sobretudo resultado de exposição exagerada ao ruído, tanto nos níveis como na sua duração. Relatórios recentes da Comissão Europeia revelam perdas de audição em níveis assustadores nos jovens, em resultado de elevados níveis sonoros durante períodos prolongados.
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As ondas de som chegam ao nosso ouvido interno amplificadas cerca de 20 vezes, depois de terem sido recolhidas pela orelha e concentradas pelo ouvido médio. A pressão dessas ondas transmite-se à cóclea, um canal em forma de caracol preenchido por um líquido que activa as células ciliadas, uma espécie de pêlos que originam os impulsos nervosos. Sabe-se hoje que os ruídos extremos ou continuados vão matando essas células, que não são substituídas. São percas permanentes, que vão prejudicando a audição.
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Portugal, segundo a Organização Mundial de Saúde, é um dos países que mais sofrem com o ruído numa outra vertente ainda — a psicológica. O ruído prolongado causa inquietação e distúrbios no sono. Calcula-se que os problemas de saúde resultantes provoquem mais mortes que a poluição do ar. O pior de tudo isto é que o sistema não se regula a si próprio. Quanto mais surdos houver, mais os outros ensurdecem.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 22 de Novembro de 2008
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NOTA-1: Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.

NOTA-2 (CMR): Ver [aqui] como o problema pode ser facilmente resolvido.