Por Antunes Ferreira
HÁ MOMENTOS da vida de um homem que levam a que se diga também que há dias em que não se pode pôr um pé na rua à noite. A jigajoga do faz que ajuda mas não ajuda, diz que pede mas não pede, no fim pede e deve vir e depressa que se faz tarde, começa a ser mais exótica do que um episódio dos morangos com açúcar. E agora, enquanto eles não entram cá mas vêm aí, não nos podemos esquecer da entrega internética dos Censos e do IRS. Depois, bem, depois verá-se como diz o cego.
Os culpados desta encrenca em que nos metemos somos nós os Portugueses; os Governos que se sucederam também, como é evidente, mas os principais somos mesmo nós. Habituámo-nos de há muito tempo a gastar o que temos e o que não temos, sobretudo este último termo de comparação. Iludimo-nos com a ideia peregrina do alguém há-de pagar.
Tenho redobrada pena de escrever que, apenas por uma vez em mais de dois séculos, este preclaro procedimento foi torpedeado: no tempo da chegada de Oliveira Salazar ao poder. Que, como se sabe, começou por ser o ministro das Finanças da Ditadura militar e, com mão de ferro (que depois ele aplicaria em todos os momentos) decretou a prática da economia da dona de casa: se não se tem, não se gasta; ou só se gasta o que se tem.
Com isto, cada vez mais me convenço de que não enjeitamos, na generalidade, a prática da cenoura e do chicote; na especialidade serão outros quinhentos mil réis, mas isso não chega para ultrapassar a primeira. Aliás, mesmo na chamada época áurea dos Descobrimentos isso se verificou. Tal como agora com os ansiados fundos europeus, os enormes rendimentos que provinham das colónias foram sendo esbanjados com a maior das alegrias.
Nestes momentos que vivemos, uma boa parte de nós ainda não entendeu o que vai ser a vida sob o ditame do FMI e do Fundo Europeu. É óbvio que a gasolina a um euro e sessenta cêntimos o litro já causa preocupações; mas nas nossas auto-estradas, os Mercedes, os BMW, os Audi, os Porshe e outros que tais são o pão-nosso-de-cada-dia. É evidente que os restaurantes caríssimos estão sempre cheios. É triste que os apartamentos e vivendas que mais se compram são os de topo de gama. Somos assim.
No meio deste tremendo imbróglio, ainda existem motivos q.b., para prosseguirmos com tenacidade na prática daquilo em que na verdade somos especialistas: as anedotas. Os romanos afirmaram que ridendo castigat mores. Molière apanhou a ideia que o arlequim Domenico mandara pintar no pano de boca do seu teatro, e deu-lhe uma dimensão mundial e eterna.
Nós, por cá, não recusamos essa forma de intervenção morigeradora, mas comprazemo-nos, sobretudo, com as piadas mais fortes e ordinárias; as outras apenas debicam coisas e pessoas; vão longes os anos em que as revistas do Parque Mayer tinham cenas que faziam estoirar de riso as plateias, pelo que continham de críticas ao salazarismo, de forma mais velada ou menos encoberta, toureando a censura.
Agora, uma que outra notícia, no meio deste vale de lágrimas, consegue fazer-nos chegar algumas lágrimas insípidas aos olhos. Veja-se um exemplo.
«Encontrado esqueleto de homossexual pré-histórico
Um esqueleto com cerca de cinco mil anos foi recentemente encontrado em Praga, por uma equipa de investigadores da República Checa. Os restos mortais pertencem a um ser humano do sexo masculino mas, devido ao modo como foi sepultado, os arqueólogos julgam que possa ter sido um homossexual ou transexual.»
Deixemo-nos de tretas e soltemos umas boas gargalhadas, pois já naqueles tempos havia homens… não praticantes. Longe de mim criticar o que é a orientação sexual de cada um, mais longe ainda defender a homofobia. Mas que a notícia é muito mais gozada do que as que nos inundam sobre a ajuda externa, lá isso…
HÁ MOMENTOS da vida de um homem que levam a que se diga também que há dias em que não se pode pôr um pé na rua à noite. A jigajoga do faz que ajuda mas não ajuda, diz que pede mas não pede, no fim pede e deve vir e depressa que se faz tarde, começa a ser mais exótica do que um episódio dos morangos com açúcar. E agora, enquanto eles não entram cá mas vêm aí, não nos podemos esquecer da entrega internética dos Censos e do IRS. Depois, bem, depois verá-se como diz o cego.
Os culpados desta encrenca em que nos metemos somos nós os Portugueses; os Governos que se sucederam também, como é evidente, mas os principais somos mesmo nós. Habituámo-nos de há muito tempo a gastar o que temos e o que não temos, sobretudo este último termo de comparação. Iludimo-nos com a ideia peregrina do alguém há-de pagar.
Tenho redobrada pena de escrever que, apenas por uma vez em mais de dois séculos, este preclaro procedimento foi torpedeado: no tempo da chegada de Oliveira Salazar ao poder. Que, como se sabe, começou por ser o ministro das Finanças da Ditadura militar e, com mão de ferro (que depois ele aplicaria em todos os momentos) decretou a prática da economia da dona de casa: se não se tem, não se gasta; ou só se gasta o que se tem.
Com isto, cada vez mais me convenço de que não enjeitamos, na generalidade, a prática da cenoura e do chicote; na especialidade serão outros quinhentos mil réis, mas isso não chega para ultrapassar a primeira. Aliás, mesmo na chamada época áurea dos Descobrimentos isso se verificou. Tal como agora com os ansiados fundos europeus, os enormes rendimentos que provinham das colónias foram sendo esbanjados com a maior das alegrias.
Nestes momentos que vivemos, uma boa parte de nós ainda não entendeu o que vai ser a vida sob o ditame do FMI e do Fundo Europeu. É óbvio que a gasolina a um euro e sessenta cêntimos o litro já causa preocupações; mas nas nossas auto-estradas, os Mercedes, os BMW, os Audi, os Porshe e outros que tais são o pão-nosso-de-cada-dia. É evidente que os restaurantes caríssimos estão sempre cheios. É triste que os apartamentos e vivendas que mais se compram são os de topo de gama. Somos assim.
No meio deste tremendo imbróglio, ainda existem motivos q.b., para prosseguirmos com tenacidade na prática daquilo em que na verdade somos especialistas: as anedotas. Os romanos afirmaram que ridendo castigat mores. Molière apanhou a ideia que o arlequim Domenico mandara pintar no pano de boca do seu teatro, e deu-lhe uma dimensão mundial e eterna.
Nós, por cá, não recusamos essa forma de intervenção morigeradora, mas comprazemo-nos, sobretudo, com as piadas mais fortes e ordinárias; as outras apenas debicam coisas e pessoas; vão longes os anos em que as revistas do Parque Mayer tinham cenas que faziam estoirar de riso as plateias, pelo que continham de críticas ao salazarismo, de forma mais velada ou menos encoberta, toureando a censura.
Agora, uma que outra notícia, no meio deste vale de lágrimas, consegue fazer-nos chegar algumas lágrimas insípidas aos olhos. Veja-se um exemplo.
«Encontrado esqueleto de homossexual pré-histórico
Um esqueleto com cerca de cinco mil anos foi recentemente encontrado em Praga, por uma equipa de investigadores da República Checa. Os restos mortais pertencem a um ser humano do sexo masculino mas, devido ao modo como foi sepultado, os arqueólogos julgam que possa ter sido um homossexual ou transexual.»
Deixemo-nos de tretas e soltemos umas boas gargalhadas, pois já naqueles tempos havia homens… não praticantes. Longe de mim criticar o que é a orientação sexual de cada um, mais longe ainda defender a homofobia. Mas que a notícia é muito mais gozada do que as que nos inundam sobre a ajuda externa, lá isso…