Por Antunes Ferreira
ESTAMOS numa Páscoa diferente. Como sempre, comemora-se a morte de Cristo e a sua ressurreição, como sempre os rituais são os mesmos, a mesma é a Via-Sacra, as cores dos paramentos, as cerimónias religiosas. Como sempre ainda, assa-se o cordeiro, comem-se os folares, com ovos ou sem eles, esgotam-se as amêndoas, saboreiam-se os ovos de chocolate. Aparentemente, nada mudou.
Porém, os passos do padecimento do filho de Deus este ano são Passos. E o coelho pascal este ano é Coelho. E a refeição nobre este ano é do Nobre. Mais ainda; este ano temos por cá a troika; este ano estamos falidos e mal pagos; este ano ajoelhamo-nos a pedir esmola; este ano devíamos ter vergonha das tristes figuras que fazemos. Mas não temos. Somos assim, irresponsavelmente catitas.
Daí que esta Páscoa, repito, seja diferente, de mão estendida, de cotão nas algibeiras, de dívidas pública e privada gigantescas, de juros engordados nos leilões estatais. Se as dívidas aumentam, aumentam também as dúvidas. Não se trata de trocadilho espúrio; é a verdade sem retoques. Que faz doer, mas parece que não faz; que vem atrasada porque já passou o Carnaval. Ainda que este seja perpétuo por estas bandas.
O calvário é nosso, a cruz também, como o são os cravos (os que se pregaram e pregam e pregarão, onde vão os de Abril?), a coroa de (muitos) espinhos, e nem se sabe por onde anda a verónica, se é que a houve. E por falar nela, há que mencionar que esta tourada em que nos metemos não tem forcados, mas tem forçados. A aguentar o que vem aí, de seguida ao que já aguentamos.
A crise, a famigerada, a dolosa e dolorosa, a fatal, instalou-se nos camarotes, nos balcões, nas plateias, nos galinheiros e até nas coxias. Porque é uma farsa sem Fernão e sem perdão, porque este nosso teatro é mais uma arena de circo romano, porque os actores não sabem as deixas, nem as deixam sair, porque os palhaços somos todos nós, a bem ou a mal.
Com um Presidente da República que assobia para o ar e se dirige aos cidadãos através do Facebook, com um Senhor Doutor que se candidata uma outra vez a Presidente, se bem que desta feita à Assembleia da República, sem passar por deputado, com uma falta de pudor e de dignidade, com um atraso minimamente mental, esta terra vai de vento em popa. Sem, sequer, rondar as bóias.
Esta Páscoa à portuguesa é muito nossa e muito sui generis. Conserva os ritos, logo, rejeita as revoluções; enjeita, felizmente, o sangue, fica-se pelos ameaços, engole a violência, fica-se pelos protestos. Atente-se, por favor: nós é que pedimos ajuda lancinantemente, mas nós é que pretendemos impor as condições para esse auxílio.
Ou seja, somos como o pobre que estende a mão à porta duma igreja mas que avisa os que se condoem dele e abrem a carteira, que só quer moedas brancas, nada de castanhas, e que prefere as notas às espécies metálicas. E mais ainda, com décimo terceiro mês e subsídio de Natal, atempadamente.
ESTAMOS numa Páscoa diferente. Como sempre, comemora-se a morte de Cristo e a sua ressurreição, como sempre os rituais são os mesmos, a mesma é a Via-Sacra, as cores dos paramentos, as cerimónias religiosas. Como sempre ainda, assa-se o cordeiro, comem-se os folares, com ovos ou sem eles, esgotam-se as amêndoas, saboreiam-se os ovos de chocolate. Aparentemente, nada mudou.
Porém, os passos do padecimento do filho de Deus este ano são Passos. E o coelho pascal este ano é Coelho. E a refeição nobre este ano é do Nobre. Mais ainda; este ano temos por cá a troika; este ano estamos falidos e mal pagos; este ano ajoelhamo-nos a pedir esmola; este ano devíamos ter vergonha das tristes figuras que fazemos. Mas não temos. Somos assim, irresponsavelmente catitas.
Daí que esta Páscoa, repito, seja diferente, de mão estendida, de cotão nas algibeiras, de dívidas pública e privada gigantescas, de juros engordados nos leilões estatais. Se as dívidas aumentam, aumentam também as dúvidas. Não se trata de trocadilho espúrio; é a verdade sem retoques. Que faz doer, mas parece que não faz; que vem atrasada porque já passou o Carnaval. Ainda que este seja perpétuo por estas bandas.
O calvário é nosso, a cruz também, como o são os cravos (os que se pregaram e pregam e pregarão, onde vão os de Abril?), a coroa de (muitos) espinhos, e nem se sabe por onde anda a verónica, se é que a houve. E por falar nela, há que mencionar que esta tourada em que nos metemos não tem forcados, mas tem forçados. A aguentar o que vem aí, de seguida ao que já aguentamos.
A crise, a famigerada, a dolosa e dolorosa, a fatal, instalou-se nos camarotes, nos balcões, nas plateias, nos galinheiros e até nas coxias. Porque é uma farsa sem Fernão e sem perdão, porque este nosso teatro é mais uma arena de circo romano, porque os actores não sabem as deixas, nem as deixam sair, porque os palhaços somos todos nós, a bem ou a mal.
Com um Presidente da República que assobia para o ar e se dirige aos cidadãos através do Facebook, com um Senhor Doutor que se candidata uma outra vez a Presidente, se bem que desta feita à Assembleia da República, sem passar por deputado, com uma falta de pudor e de dignidade, com um atraso minimamente mental, esta terra vai de vento em popa. Sem, sequer, rondar as bóias.
Esta Páscoa à portuguesa é muito nossa e muito sui generis. Conserva os ritos, logo, rejeita as revoluções; enjeita, felizmente, o sangue, fica-se pelos ameaços, engole a violência, fica-se pelos protestos. Atente-se, por favor: nós é que pedimos ajuda lancinantemente, mas nós é que pretendemos impor as condições para esse auxílio.
Ou seja, somos como o pobre que estende a mão à porta duma igreja mas que avisa os que se condoem dele e abrem a carteira, que só quer moedas brancas, nada de castanhas, e que prefere as notas às espécies metálicas. E mais ainda, com décimo terceiro mês e subsídio de Natal, atempadamente.