domingo, 24 de abril de 2011
Passatempo de 17-19 Mai 11 - Solução
Exemplar número 404
Quem mais se tenha aproximado deste valor (e, em caso de empate, quem o tenha feito primeiro) tem 24h para escrever para medina.ribeiro@gmail.com indicando morada para envio do livro.
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Actualização: o passatempo foi ganho por "papoila_rubra", com o palpite "400", a que corresponde um erro de 4. Atenção, agora, ao prazo para reclamar o prémio.sexta-feira, 22 de abril de 2011
Páscoa à portuguesa
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Por Antunes Ferreira
ESTAMOS numa Páscoa diferente. Como sempre, comemora-se a morte de Cristo e a sua ressurreição, como sempre os rituais são os mesmos, a mesma é a Via-Sacra, as cores dos paramentos, as cerimónias religiosas. Como sempre ainda, assa-se o cordeiro, comem-se os folares, com ovos ou sem eles, esgotam-se as amêndoas, saboreiam-se os ovos de chocolate. Aparentemente, nada mudou.
Porém, os passos do padecimento do filho de Deus este ano são Passos. E o coelho pascal este ano é Coelho. E a refeição nobre este ano é do Nobre. Mais ainda; este ano temos por cá a troika; este ano estamos falidos e mal pagos; este ano ajoelhamo-nos a pedir esmola; este ano devíamos ter vergonha das tristes figuras que fazemos. Mas não temos. Somos assim, irresponsavelmente catitas.
Daí que esta Páscoa, repito, seja diferente, de mão estendida, de cotão nas algibeiras, de dívidas pública e privada gigantescas, de juros engordados nos leilões estatais. Se as dívidas aumentam, aumentam também as dúvidas. Não se trata de trocadilho espúrio; é a verdade sem retoques. Que faz doer, mas parece que não faz; que vem atrasada porque já passou o Carnaval. Ainda que este seja perpétuo por estas bandas.
O calvário é nosso, a cruz também, como o são os cravos (os que se pregaram e pregam e pregarão, onde vão os de Abril?), a coroa de (muitos) espinhos, e nem se sabe por onde anda a verónica, se é que a houve. E por falar nela, há que mencionar que esta tourada em que nos metemos não tem forcados, mas tem forçados. A aguentar o que vem aí, de seguida ao que já aguentamos.
A crise, a famigerada, a dolosa e dolorosa, a fatal, instalou-se nos camarotes, nos balcões, nas plateias, nos galinheiros e até nas coxias. Porque é uma farsa sem Fernão e sem perdão, porque este nosso teatro é mais uma arena de circo romano, porque os actores não sabem as deixas, nem as deixam sair, porque os palhaços somos todos nós, a bem ou a mal.
Com um Presidente da República que assobia para o ar e se dirige aos cidadãos através do Facebook, com um Senhor Doutor que se candidata uma outra vez a Presidente, se bem que desta feita à Assembleia da República, sem passar por deputado, com uma falta de pudor e de dignidade, com um atraso minimamente mental, esta terra vai de vento em popa. Sem, sequer, rondar as bóias.
Esta Páscoa à portuguesa é muito nossa e muito sui generis. Conserva os ritos, logo, rejeita as revoluções; enjeita, felizmente, o sangue, fica-se pelos ameaços, engole a violência, fica-se pelos protestos. Atente-se, por favor: nós é que pedimos ajuda lancinantemente, mas nós é que pretendemos impor as condições para esse auxílio.
Ou seja, somos como o pobre que estende a mão à porta duma igreja mas que avisa os que se condoem dele e abrem a carteira, que só quer moedas brancas, nada de castanhas, e que prefere as notas às espécies metálicas. E mais ainda, com décimo terceiro mês e subsídio de Natal, atempadamente.
ESTAMOS numa Páscoa diferente. Como sempre, comemora-se a morte de Cristo e a sua ressurreição, como sempre os rituais são os mesmos, a mesma é a Via-Sacra, as cores dos paramentos, as cerimónias religiosas. Como sempre ainda, assa-se o cordeiro, comem-se os folares, com ovos ou sem eles, esgotam-se as amêndoas, saboreiam-se os ovos de chocolate. Aparentemente, nada mudou.
Porém, os passos do padecimento do filho de Deus este ano são Passos. E o coelho pascal este ano é Coelho. E a refeição nobre este ano é do Nobre. Mais ainda; este ano temos por cá a troika; este ano estamos falidos e mal pagos; este ano ajoelhamo-nos a pedir esmola; este ano devíamos ter vergonha das tristes figuras que fazemos. Mas não temos. Somos assim, irresponsavelmente catitas.
Daí que esta Páscoa, repito, seja diferente, de mão estendida, de cotão nas algibeiras, de dívidas pública e privada gigantescas, de juros engordados nos leilões estatais. Se as dívidas aumentam, aumentam também as dúvidas. Não se trata de trocadilho espúrio; é a verdade sem retoques. Que faz doer, mas parece que não faz; que vem atrasada porque já passou o Carnaval. Ainda que este seja perpétuo por estas bandas.
O calvário é nosso, a cruz também, como o são os cravos (os que se pregaram e pregam e pregarão, onde vão os de Abril?), a coroa de (muitos) espinhos, e nem se sabe por onde anda a verónica, se é que a houve. E por falar nela, há que mencionar que esta tourada em que nos metemos não tem forcados, mas tem forçados. A aguentar o que vem aí, de seguida ao que já aguentamos.
A crise, a famigerada, a dolosa e dolorosa, a fatal, instalou-se nos camarotes, nos balcões, nas plateias, nos galinheiros e até nas coxias. Porque é uma farsa sem Fernão e sem perdão, porque este nosso teatro é mais uma arena de circo romano, porque os actores não sabem as deixas, nem as deixam sair, porque os palhaços somos todos nós, a bem ou a mal.
Com um Presidente da República que assobia para o ar e se dirige aos cidadãos através do Facebook, com um Senhor Doutor que se candidata uma outra vez a Presidente, se bem que desta feita à Assembleia da República, sem passar por deputado, com uma falta de pudor e de dignidade, com um atraso minimamente mental, esta terra vai de vento em popa. Sem, sequer, rondar as bóias.
Esta Páscoa à portuguesa é muito nossa e muito sui generis. Conserva os ritos, logo, rejeita as revoluções; enjeita, felizmente, o sangue, fica-se pelos ameaços, engole a violência, fica-se pelos protestos. Atente-se, por favor: nós é que pedimos ajuda lancinantemente, mas nós é que pretendemos impor as condições para esse auxílio.
Ou seja, somos como o pobre que estende a mão à porta duma igreja mas que avisa os que se condoem dele e abrem a carteira, que só quer moedas brancas, nada de castanhas, e que prefere as notas às espécies metálicas. E mais ainda, com décimo terceiro mês e subsídio de Natal, atempadamente.
quinta-feira, 21 de abril de 2011
quarta-feira, 20 de abril de 2011
A esquerda
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«Expresso» de 16 Abr 11
Por Maria Filomena Mónica
DESDE 1974 que voto no Partido Socialista. Por isso me entristece o que lhe tem acontecido. Ao longo dos últimos seis anos de governação, o Primeiro-Ministro teve uma única ideia, o «plano tecnológico», e até essa é um disparate. Além disso, mentiu, mentiu e voltou a mentir. Não se pense que foi uma doutrina que me empurrou para a esquerda. A proeza ficou a dever-se ao comportamento da direita nacional. O Portugal dos anos 1950 era de tal forma desigualitário que me era impossível aceitar pacificamente a minha posição social. Os adultos podiam – e tentaram – explicar-me que «pobres sempre os teríamos entre nós», lição que nunca entrou na minha alma. Os amigos de infância ainda me consideram «comunista», enquanto os colegas universitários pensam que sou «reaccionária»: os primeiros porque me preocupo com as desigualdades sociais, os segundos porque valorizo o mérito.
O meu país deu muitas voltas e eu com ele. Deixei de pensar que o capitalismo era um mau sistema, admitindo ser uma forma de organização económica compatível com regimes diversos - basta olhar os EUA e a China - mas tal não me aproximou da direita. É a Adam Smith que recorro para explicitar aquilo em que acredito: «Nenhuma sociedade pode florescer e ser feliz se a grande maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis». Se abomino que o Estado se meta na minha vida, considero todavia que tem um papel a desempenhar.
De todos os objectivos a incluir num programa socialista, a redução das desigualdades sociais deveria ser prioritária. Mas enunciá-lo não basta: é preciso tomar medidas. Há dias, li um documento delirante, aprovado em Conselho de Ministros a 20 de Março, intitulado Portugal 2020 – Programa Nacional de Reformas. Numa terminologia que me abstenho de qualificar, diz-se que, até 2020, a meta é fazer com que o número de pobres diminua em 200.000. Depois, afirma-se que, nos cinco anos após 2004, se reduziu «o risco de pobreza» de 20,4% para 17,9% da população. Uns dias depois, o Presidente da República corrigiu o engº Sócrates: afinal, a segunda percentagem seria de 26%. Em suma, ninguém sabe o que se passa.
No ambiente de cinismo em que vivemos, parece ingénuo afirmar que vale a pena lutar por uma sociedade mais justa. O amoralismo dos anos 1990´s congelou o pensamento de esquerda, tornando-o incapaz de criticar a direita. E, no entanto, a denúncia não é difícil. Os governantes que acreditam religiosamente no mercado, que afirmam que os pobres apenas existem porque não querem trabalhar, que exaltam a ganância como valor supremo estão a minar a coesão das sociedades.
Há espaço para uma esquerda, mas não com o engº. Sócrates. Mesmo que sofra uma derrota nas próximas eleições, duvido que se demita de Secretário-Geral. Isto não tem impedido os jornais de imaginar quem lhe poderia suceder. Os três nomes mais citados são os de Seguro, Costa e Assis. Surpreende-me que ninguém tenha pensado em Jaime Gama. Não tem carisma e não é amado pelo aparelho, mas tem um passado de democrata, espessura intelectual e uma honestidade à prova de bala.
DESDE 1974 que voto no Partido Socialista. Por isso me entristece o que lhe tem acontecido. Ao longo dos últimos seis anos de governação, o Primeiro-Ministro teve uma única ideia, o «plano tecnológico», e até essa é um disparate. Além disso, mentiu, mentiu e voltou a mentir. Não se pense que foi uma doutrina que me empurrou para a esquerda. A proeza ficou a dever-se ao comportamento da direita nacional. O Portugal dos anos 1950 era de tal forma desigualitário que me era impossível aceitar pacificamente a minha posição social. Os adultos podiam – e tentaram – explicar-me que «pobres sempre os teríamos entre nós», lição que nunca entrou na minha alma. Os amigos de infância ainda me consideram «comunista», enquanto os colegas universitários pensam que sou «reaccionária»: os primeiros porque me preocupo com as desigualdades sociais, os segundos porque valorizo o mérito.
O meu país deu muitas voltas e eu com ele. Deixei de pensar que o capitalismo era um mau sistema, admitindo ser uma forma de organização económica compatível com regimes diversos - basta olhar os EUA e a China - mas tal não me aproximou da direita. É a Adam Smith que recorro para explicitar aquilo em que acredito: «Nenhuma sociedade pode florescer e ser feliz se a grande maioria dos seus membros forem pobres e miseráveis». Se abomino que o Estado se meta na minha vida, considero todavia que tem um papel a desempenhar.
De todos os objectivos a incluir num programa socialista, a redução das desigualdades sociais deveria ser prioritária. Mas enunciá-lo não basta: é preciso tomar medidas. Há dias, li um documento delirante, aprovado em Conselho de Ministros a 20 de Março, intitulado Portugal 2020 – Programa Nacional de Reformas. Numa terminologia que me abstenho de qualificar, diz-se que, até 2020, a meta é fazer com que o número de pobres diminua em 200.000. Depois, afirma-se que, nos cinco anos após 2004, se reduziu «o risco de pobreza» de 20,4% para 17,9% da população. Uns dias depois, o Presidente da República corrigiu o engº Sócrates: afinal, a segunda percentagem seria de 26%. Em suma, ninguém sabe o que se passa.
No ambiente de cinismo em que vivemos, parece ingénuo afirmar que vale a pena lutar por uma sociedade mais justa. O amoralismo dos anos 1990´s congelou o pensamento de esquerda, tornando-o incapaz de criticar a direita. E, no entanto, a denúncia não é difícil. Os governantes que acreditam religiosamente no mercado, que afirmam que os pobres apenas existem porque não querem trabalhar, que exaltam a ganância como valor supremo estão a minar a coesão das sociedades.
Há espaço para uma esquerda, mas não com o engº. Sócrates. Mesmo que sofra uma derrota nas próximas eleições, duvido que se demita de Secretário-Geral. Isto não tem impedido os jornais de imaginar quem lhe poderia suceder. Os três nomes mais citados são os de Seguro, Costa e Assis. Surpreende-me que ninguém tenha pensado em Jaime Gama. Não tem carisma e não é amado pelo aparelho, mas tem um passado de democrata, espessura intelectual e uma honestidade à prova de bala.
«Expresso» de 16 Abr 11
sábado, 16 de abril de 2011
Nobre futebol
.
Por Antunes Ferreira
VAI SER uma noite em cheio, a de amanhã. No estádio do Dragão, o Futebol Clube do Porto recebe o Sporting e o jogo começa às 20:15. É transmitido pela Sport TV. A expectativa é grande; os leões, quiçá moribundos, estão no estado em que estão. Os campeões não perdem uma.
Por seu turno, o Dr. Fernando Nobre, presidente da AMI e ex-candidato a Belém, vai ser entrevistado, pelas 21:00, por Fátima Campos Ferreira, na RTP Especial Informação onde o assunto principal é a sua polémica candidatura a Presidente da AR… nas listas do PSD. Parece que nem sequer quer ser deputado.
O médico que se dizia independente e defensor da cidadania pura, donde sem mácula, reiterara, desde as presidenciais, que nunca mais se meteria na política e obviamente em qualquer força partidária. De boas intenções está o Inferno cheio, mas o poleiro tem muita força e origina todos os golpes de rins imagináveis e até os inimagináveis.
Esta atitude de Nobre tem sido acusada de pouco nobre. Ou seja, ele tem sido objecto dos mais duros comentários e das mais violentas críticas, depois de Pedro Passos Coelho ter anunciado que o clínico seria o cabeça de lista do PSD por Lisboa. Prevê-se que o presidente da Associação Médica Internacional irá defender o que se pode considerar… indefensável. Mas, nesta terra de tristeza também o pensável pode ser impensável e o possível, impossível .
Na Cidade Invicta, os verdes e brancos também vão tentar defender o indefensável. E por aí fora. Ou seja, continuar a lutar pelo sonho do terceiro lugar na Liga maior do futebol cá do burgo. Tarefa muito difícil, impensável e quiçá impossível; mas pois se não obtiverem uma vitória na casa dos portistas o sonho não passará de um pesadelo.
Ainda que os horários não sejam exactamente coincidentes, estou crente que, a nível televisivo, o espectáculo portuense que se antevê emocionante, terá um share infinitamente maior do que o entremez lisboeta. Poucos estarão interessados em visionar uma caricata versão do Médico e o Monstro, em que o primeiro tentará abater o segundo, ainda que um e o outro sejam uma só pessoa.
Os cidadãos que já sentem bastante a austeridade podem orgulhar-se da figura que os futebolistas portugueses têm vindo a fazer. As três vitórias da quinta-feira passada são o anti-depressivo de que necessitam. Mas, serão mesmo? A troika BCE, UE e FMI já tem as garras de fora. E os políticos portugueses - que já deviam ter vergonha na cara – não a têm.
Por essas e por outras é que digo que amanhã à noite, a valer-nos alguma coisa, será o Santo Futebol. Fátima foi chão que deu uvas.
VAI SER uma noite em cheio, a de amanhã. No estádio do Dragão, o Futebol Clube do Porto recebe o Sporting e o jogo começa às 20:15. É transmitido pela Sport TV. A expectativa é grande; os leões, quiçá moribundos, estão no estado em que estão. Os campeões não perdem uma.
Por seu turno, o Dr. Fernando Nobre, presidente da AMI e ex-candidato a Belém, vai ser entrevistado, pelas 21:00, por Fátima Campos Ferreira, na RTP Especial Informação onde o assunto principal é a sua polémica candidatura a Presidente da AR… nas listas do PSD. Parece que nem sequer quer ser deputado.
O médico que se dizia independente e defensor da cidadania pura, donde sem mácula, reiterara, desde as presidenciais, que nunca mais se meteria na política e obviamente em qualquer força partidária. De boas intenções está o Inferno cheio, mas o poleiro tem muita força e origina todos os golpes de rins imagináveis e até os inimagináveis.
Esta atitude de Nobre tem sido acusada de pouco nobre. Ou seja, ele tem sido objecto dos mais duros comentários e das mais violentas críticas, depois de Pedro Passos Coelho ter anunciado que o clínico seria o cabeça de lista do PSD por Lisboa. Prevê-se que o presidente da Associação Médica Internacional irá defender o que se pode considerar… indefensável. Mas, nesta terra de tristeza também o pensável pode ser impensável e o possível, impossível .
Na Cidade Invicta, os verdes e brancos também vão tentar defender o indefensável. E por aí fora. Ou seja, continuar a lutar pelo sonho do terceiro lugar na Liga maior do futebol cá do burgo. Tarefa muito difícil, impensável e quiçá impossível; mas pois se não obtiverem uma vitória na casa dos portistas o sonho não passará de um pesadelo.
Ainda que os horários não sejam exactamente coincidentes, estou crente que, a nível televisivo, o espectáculo portuense que se antevê emocionante, terá um share infinitamente maior do que o entremez lisboeta. Poucos estarão interessados em visionar uma caricata versão do Médico e o Monstro, em que o primeiro tentará abater o segundo, ainda que um e o outro sejam uma só pessoa.
Os cidadãos que já sentem bastante a austeridade podem orgulhar-se da figura que os futebolistas portugueses têm vindo a fazer. As três vitórias da quinta-feira passada são o anti-depressivo de que necessitam. Mas, serão mesmo? A troika BCE, UE e FMI já tem as garras de fora. E os políticos portugueses - que já deviam ter vergonha na cara – não a têm.
Por essas e por outras é que digo que amanhã à noite, a valer-nos alguma coisa, será o Santo Futebol. Fátima foi chão que deu uvas.
segunda-feira, 11 de abril de 2011
sábado, 9 de abril de 2011
Eles vêm aí
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Por Antunes Ferreira
HÁ MOMENTOS da vida de um homem que levam a que se diga também que há dias em que não se pode pôr um pé na rua à noite. A jigajoga do faz que ajuda mas não ajuda, diz que pede mas não pede, no fim pede e deve vir e depressa que se faz tarde, começa a ser mais exótica do que um episódio dos morangos com açúcar. E agora, enquanto eles não entram cá mas vêm aí, não nos podemos esquecer da entrega internética dos Censos e do IRS. Depois, bem, depois verá-se como diz o cego.
Os culpados desta encrenca em que nos metemos somos nós os Portugueses; os Governos que se sucederam também, como é evidente, mas os principais somos mesmo nós. Habituámo-nos de há muito tempo a gastar o que temos e o que não temos, sobretudo este último termo de comparação. Iludimo-nos com a ideia peregrina do alguém há-de pagar.
Tenho redobrada pena de escrever que, apenas por uma vez em mais de dois séculos, este preclaro procedimento foi torpedeado: no tempo da chegada de Oliveira Salazar ao poder. Que, como se sabe, começou por ser o ministro das Finanças da Ditadura militar e, com mão de ferro (que depois ele aplicaria em todos os momentos) decretou a prática da economia da dona de casa: se não se tem, não se gasta; ou só se gasta o que se tem.
Com isto, cada vez mais me convenço de que não enjeitamos, na generalidade, a prática da cenoura e do chicote; na especialidade serão outros quinhentos mil réis, mas isso não chega para ultrapassar a primeira. Aliás, mesmo na chamada época áurea dos Descobrimentos isso se verificou. Tal como agora com os ansiados fundos europeus, os enormes rendimentos que provinham das colónias foram sendo esbanjados com a maior das alegrias.
Nestes momentos que vivemos, uma boa parte de nós ainda não entendeu o que vai ser a vida sob o ditame do FMI e do Fundo Europeu. É óbvio que a gasolina a um euro e sessenta cêntimos o litro já causa preocupações; mas nas nossas auto-estradas, os Mercedes, os BMW, os Audi, os Porshe e outros que tais são o pão-nosso-de-cada-dia. É evidente que os restaurantes caríssimos estão sempre cheios. É triste que os apartamentos e vivendas que mais se compram são os de topo de gama. Somos assim.
No meio deste tremendo imbróglio, ainda existem motivos q.b., para prosseguirmos com tenacidade na prática daquilo em que na verdade somos especialistas: as anedotas. Os romanos afirmaram que ridendo castigat mores. Molière apanhou a ideia que o arlequim Domenico mandara pintar no pano de boca do seu teatro, e deu-lhe uma dimensão mundial e eterna.
Nós, por cá, não recusamos essa forma de intervenção morigeradora, mas comprazemo-nos, sobretudo, com as piadas mais fortes e ordinárias; as outras apenas debicam coisas e pessoas; vão longes os anos em que as revistas do Parque Mayer tinham cenas que faziam estoirar de riso as plateias, pelo que continham de críticas ao salazarismo, de forma mais velada ou menos encoberta, toureando a censura.
Agora, uma que outra notícia, no meio deste vale de lágrimas, consegue fazer-nos chegar algumas lágrimas insípidas aos olhos. Veja-se um exemplo.
«Encontrado esqueleto de homossexual pré-histórico
Um esqueleto com cerca de cinco mil anos foi recentemente encontrado em Praga, por uma equipa de investigadores da República Checa. Os restos mortais pertencem a um ser humano do sexo masculino mas, devido ao modo como foi sepultado, os arqueólogos julgam que possa ter sido um homossexual ou transexual.»
Deixemo-nos de tretas e soltemos umas boas gargalhadas, pois já naqueles tempos havia homens… não praticantes. Longe de mim criticar o que é a orientação sexual de cada um, mais longe ainda defender a homofobia. Mas que a notícia é muito mais gozada do que as que nos inundam sobre a ajuda externa, lá isso…
HÁ MOMENTOS da vida de um homem que levam a que se diga também que há dias em que não se pode pôr um pé na rua à noite. A jigajoga do faz que ajuda mas não ajuda, diz que pede mas não pede, no fim pede e deve vir e depressa que se faz tarde, começa a ser mais exótica do que um episódio dos morangos com açúcar. E agora, enquanto eles não entram cá mas vêm aí, não nos podemos esquecer da entrega internética dos Censos e do IRS. Depois, bem, depois verá-se como diz o cego.
Os culpados desta encrenca em que nos metemos somos nós os Portugueses; os Governos que se sucederam também, como é evidente, mas os principais somos mesmo nós. Habituámo-nos de há muito tempo a gastar o que temos e o que não temos, sobretudo este último termo de comparação. Iludimo-nos com a ideia peregrina do alguém há-de pagar.
Tenho redobrada pena de escrever que, apenas por uma vez em mais de dois séculos, este preclaro procedimento foi torpedeado: no tempo da chegada de Oliveira Salazar ao poder. Que, como se sabe, começou por ser o ministro das Finanças da Ditadura militar e, com mão de ferro (que depois ele aplicaria em todos os momentos) decretou a prática da economia da dona de casa: se não se tem, não se gasta; ou só se gasta o que se tem.
Com isto, cada vez mais me convenço de que não enjeitamos, na generalidade, a prática da cenoura e do chicote; na especialidade serão outros quinhentos mil réis, mas isso não chega para ultrapassar a primeira. Aliás, mesmo na chamada época áurea dos Descobrimentos isso se verificou. Tal como agora com os ansiados fundos europeus, os enormes rendimentos que provinham das colónias foram sendo esbanjados com a maior das alegrias.
Nestes momentos que vivemos, uma boa parte de nós ainda não entendeu o que vai ser a vida sob o ditame do FMI e do Fundo Europeu. É óbvio que a gasolina a um euro e sessenta cêntimos o litro já causa preocupações; mas nas nossas auto-estradas, os Mercedes, os BMW, os Audi, os Porshe e outros que tais são o pão-nosso-de-cada-dia. É evidente que os restaurantes caríssimos estão sempre cheios. É triste que os apartamentos e vivendas que mais se compram são os de topo de gama. Somos assim.
No meio deste tremendo imbróglio, ainda existem motivos q.b., para prosseguirmos com tenacidade na prática daquilo em que na verdade somos especialistas: as anedotas. Os romanos afirmaram que ridendo castigat mores. Molière apanhou a ideia que o arlequim Domenico mandara pintar no pano de boca do seu teatro, e deu-lhe uma dimensão mundial e eterna.
Nós, por cá, não recusamos essa forma de intervenção morigeradora, mas comprazemo-nos, sobretudo, com as piadas mais fortes e ordinárias; as outras apenas debicam coisas e pessoas; vão longes os anos em que as revistas do Parque Mayer tinham cenas que faziam estoirar de riso as plateias, pelo que continham de críticas ao salazarismo, de forma mais velada ou menos encoberta, toureando a censura.
Agora, uma que outra notícia, no meio deste vale de lágrimas, consegue fazer-nos chegar algumas lágrimas insípidas aos olhos. Veja-se um exemplo.
«Encontrado esqueleto de homossexual pré-histórico
Um esqueleto com cerca de cinco mil anos foi recentemente encontrado em Praga, por uma equipa de investigadores da República Checa. Os restos mortais pertencem a um ser humano do sexo masculino mas, devido ao modo como foi sepultado, os arqueólogos julgam que possa ter sido um homossexual ou transexual.»
Deixemo-nos de tretas e soltemos umas boas gargalhadas, pois já naqueles tempos havia homens… não praticantes. Longe de mim criticar o que é a orientação sexual de cada um, mais longe ainda defender a homofobia. Mas que a notícia é muito mais gozada do que as que nos inundam sobre a ajuda externa, lá isso…
quarta-feira, 6 de abril de 2011
A partilha do poder
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Por Baptista-Bastos
"Coesão" e "verdade" são termos muito utilizados nos últimos discursos do dr. Cavaco. Não querem dizer nada e não se escoram em coisa alguma. O País está dividido, desenganado, irritado e furioso com aquilo que os políticos lhe têm feito; e a palavra "verdade" faz com que fuja espavorido. Todos mentem, com maior ou menos ração, e até o dr. Cavaco não está propriamente limpo do feio pecado. Acresce que os seus textos expõem uma mediocridade de forma e de conteúdo, uma sensaboria gelada que a ninguém empolgam.
O homem pode dizer o que quiser, que veio do povo, que ao povo pertence, mas não provoca nenhum sentimento de emotiva mobilização. Ele não sente, nunca sentiu, o impulso da insubmissão e da revolta. É um ser "institucionalizado." Os indivíduos ou os grupos agem e procedem a rebeliões específicas de conduta quando as ameaças que os cercam quase elaboram a alternativa de um contra-governo. As imponentes manifestações da "geração à rasca" são sintomas e indicações.
A maneira como temos sido conduzidos e governados, prolonga a ideia de que todo o poder encontra resistência, mais tarde ou mais cedo. E a alternância, sem alternativa, entre PS e PSD, obrigando à servidão monótona do voto, atinge a sufocação. Bem pode o dr. Cavaco suspirar pela "verdade" e aspirar à "coesão." Olhe-se e veja-se. No PS de Sócrates a intriga não chegou para amolgar os 93 por cento obtidos pelo mal-amado. Os socialistas estão cegos e arfantes? Não têm é outro "camarada" que substitua Sócrates, e Sócrates representa a garantia de que talvez se mude alguma coisa para permanecer tudo na mesma. E se, nas próximas eleições, o PS voltar a ganhar e a apostar, de novo, no seu secretário-geral?
O PSD de Passos Coelho é o labirinto de onde nunca ninguém soube sair. Continuam lá todos aqueles que, através das fórmulas mais paradoxais, e dos entrelaçamentos mais duvidosos, se foram governando sem pudor nem inquietação. A ausência da tal "verdade" tem sido uma constante naquele partido, exactamente porque foi ele um dos construtores e sustentáculos do "sistema". É, pois, a título de parceiro e de adversário que o PSD e o PS têm partilhado o poder e dividido as benesses e privilégios que lhes são afins. A "mentira" começa nesse embuste da "verdade" e o dr. Cavaco é um dos arquitectos desta estática.
Torna-se cada vez mais evidente que Passos Coelho (com quem pessoalmente simpatizo) não está à altura da situação. O apelo às coligações, feito por dirigentes políticos e por jornalistas e preopinantes estipendiados, enuncia, claramente, o problema e a enorme baralhada em que nos envolveram. Em que nos envolveram aqueles mesmos ou os seus directos descendentes. No entanto, talvez as coisas, desta vez, não sejam tão felizes para eles.
.
«DN» de 6 Abr 11
"Coesão" e "verdade" são termos muito utilizados nos últimos discursos do dr. Cavaco. Não querem dizer nada e não se escoram em coisa alguma. O País está dividido, desenganado, irritado e furioso com aquilo que os políticos lhe têm feito; e a palavra "verdade" faz com que fuja espavorido. Todos mentem, com maior ou menos ração, e até o dr. Cavaco não está propriamente limpo do feio pecado. Acresce que os seus textos expõem uma mediocridade de forma e de conteúdo, uma sensaboria gelada que a ninguém empolgam.
O homem pode dizer o que quiser, que veio do povo, que ao povo pertence, mas não provoca nenhum sentimento de emotiva mobilização. Ele não sente, nunca sentiu, o impulso da insubmissão e da revolta. É um ser "institucionalizado." Os indivíduos ou os grupos agem e procedem a rebeliões específicas de conduta quando as ameaças que os cercam quase elaboram a alternativa de um contra-governo. As imponentes manifestações da "geração à rasca" são sintomas e indicações.
A maneira como temos sido conduzidos e governados, prolonga a ideia de que todo o poder encontra resistência, mais tarde ou mais cedo. E a alternância, sem alternativa, entre PS e PSD, obrigando à servidão monótona do voto, atinge a sufocação. Bem pode o dr. Cavaco suspirar pela "verdade" e aspirar à "coesão." Olhe-se e veja-se. No PS de Sócrates a intriga não chegou para amolgar os 93 por cento obtidos pelo mal-amado. Os socialistas estão cegos e arfantes? Não têm é outro "camarada" que substitua Sócrates, e Sócrates representa a garantia de que talvez se mude alguma coisa para permanecer tudo na mesma. E se, nas próximas eleições, o PS voltar a ganhar e a apostar, de novo, no seu secretário-geral?
O PSD de Passos Coelho é o labirinto de onde nunca ninguém soube sair. Continuam lá todos aqueles que, através das fórmulas mais paradoxais, e dos entrelaçamentos mais duvidosos, se foram governando sem pudor nem inquietação. A ausência da tal "verdade" tem sido uma constante naquele partido, exactamente porque foi ele um dos construtores e sustentáculos do "sistema". É, pois, a título de parceiro e de adversário que o PSD e o PS têm partilhado o poder e dividido as benesses e privilégios que lhes são afins. A "mentira" começa nesse embuste da "verdade" e o dr. Cavaco é um dos arquitectos desta estática.
Torna-se cada vez mais evidente que Passos Coelho (com quem pessoalmente simpatizo) não está à altura da situação. O apelo às coligações, feito por dirigentes políticos e por jornalistas e preopinantes estipendiados, enuncia, claramente, o problema e a enorme baralhada em que nos envolveram. Em que nos envolveram aqueles mesmos ou os seus directos descendentes. No entanto, talvez as coisas, desta vez, não sejam tão felizes para eles.
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«DN» de 6 Abr 11
terça-feira, 5 de abril de 2011
Os Velhos
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Por Maria Filomena Mónica
«Expresso» de 2 Abr 11
Por Maria Filomena Mónica
O ESTADO está a contar-nos, cabeça a cabeça. A isto chama-se Censo, do latim censu, a lista dos nomes e a avaliação das propriedades dos cidadãos romanos. Estava hoje a preencher o questionário do INE quando notei que passara a integrar a categoria de «pessoa idosa», a designação oficial para quem tem mais de 65 anos. Dado o meu pendor melodramático, comecei logo a imaginar que me restavam poucos anos de vida. À força, fui capaz de interromper esta meditação fúnebre, para pensar naqueles que, dentro do meu grupo etário, estão em pior situação do que eu. Através de um caderninho onde anoto as coisas que me surpreendem, descobri que Portugal é hoje o sétimo país mais envelhecido do mundo.
As causas não são difíceis de encontrar. Por um lado, os casais jovens não usufruem de condições para ter filhos, por outro, em virtude dos progressos da Medicina, a esperança de vida tem aumentado. Actualmente, as mulheres vivem, em média, até aos 81 anos e os homens até aos 75. À primeira vista, estes números parecem uma bênção do Céu, mas existe um reverso da medalha. De entre os europeus, os portugueses são aqueles que durante mais tempo - dezassete anos - enfrentam uma incapacidade permanente. Aos 80 anos, 40% dos nossos velhos estão dementes. Há 190.000 portugueses, com mais de 75 anos, a viver sós, sem ninguém que os ajude nas tarefas domésticas e, mais grave, que com eles converse.
As filhas e as noras - evidentemente os homens consideram sempre que compete às mulheres, e não a eles, tratar dos seus velhos - estão a trabalhar, as famílias vivem em casas pequenas e não existem lares em número suficiente para os albergar. Adoentados, muitos sobrevivem com uma pensão miserável, nos subúrbios de Lisboa, no interior desertificado do país, nas casas dos bairros antigos das cidades. Na rua das Trinas, ao lado de onde vivo, já não me cruzo com a rapariga pálida que ali vendia alperces, mas ainda me deparo com velhinhas, espreitando-me por detrás das cortinas de renda. Os maridos estão no Jardim da Estrela, jogando cartas com os amigos, os filhos trabalham para sustentar as famílias e os netos passam os dias, na escola, aprendendo coisas de que as avós nunca ouviram falar. Para além de uma ida ao centro de saúde, do crochet que nunca termina e da conversa com as vizinhas, nada sobra. Segundo uma investigação recente, 36,5% dos idosos com mais de 65 anos passa mais de 8 horas por dia sem companhia e 28,9% admite estar «triste e deprimido». Mas há pior: os velhos constituem metade da taxa de suicídio nacional, uma situação intolerável. Quanto mais não fosse para punir o «socialista» Sócrates pelo que fez e se preparava fazer aos reformados mais pobres valeu a pena derrubá-lo.
PS: Por lapso, no meu último artigo, usei a designação «Conselho da Europa» quando me queria referir ao «Conselho Europeu». Um erro é um erro, mas o facto de o ter cometido demonstra a distância entre os cidadãos e o labirinto europeu.
.As causas não são difíceis de encontrar. Por um lado, os casais jovens não usufruem de condições para ter filhos, por outro, em virtude dos progressos da Medicina, a esperança de vida tem aumentado. Actualmente, as mulheres vivem, em média, até aos 81 anos e os homens até aos 75. À primeira vista, estes números parecem uma bênção do Céu, mas existe um reverso da medalha. De entre os europeus, os portugueses são aqueles que durante mais tempo - dezassete anos - enfrentam uma incapacidade permanente. Aos 80 anos, 40% dos nossos velhos estão dementes. Há 190.000 portugueses, com mais de 75 anos, a viver sós, sem ninguém que os ajude nas tarefas domésticas e, mais grave, que com eles converse.
As filhas e as noras - evidentemente os homens consideram sempre que compete às mulheres, e não a eles, tratar dos seus velhos - estão a trabalhar, as famílias vivem em casas pequenas e não existem lares em número suficiente para os albergar. Adoentados, muitos sobrevivem com uma pensão miserável, nos subúrbios de Lisboa, no interior desertificado do país, nas casas dos bairros antigos das cidades. Na rua das Trinas, ao lado de onde vivo, já não me cruzo com a rapariga pálida que ali vendia alperces, mas ainda me deparo com velhinhas, espreitando-me por detrás das cortinas de renda. Os maridos estão no Jardim da Estrela, jogando cartas com os amigos, os filhos trabalham para sustentar as famílias e os netos passam os dias, na escola, aprendendo coisas de que as avós nunca ouviram falar. Para além de uma ida ao centro de saúde, do crochet que nunca termina e da conversa com as vizinhas, nada sobra. Segundo uma investigação recente, 36,5% dos idosos com mais de 65 anos passa mais de 8 horas por dia sem companhia e 28,9% admite estar «triste e deprimido». Mas há pior: os velhos constituem metade da taxa de suicídio nacional, uma situação intolerável. Quanto mais não fosse para punir o «socialista» Sócrates pelo que fez e se preparava fazer aos reformados mais pobres valeu a pena derrubá-lo.
PS: Por lapso, no meu último artigo, usei a designação «Conselho da Europa» quando me queria referir ao «Conselho Europeu». Um erro é um erro, mas o facto de o ter cometido demonstra a distância entre os cidadãos e o labirinto europeu.
«Expresso» de 2 Abr 11
domingo, 3 de abril de 2011
Heroínas dos tsunamis
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Por Nuno Crato
NÃO HÁ REGISTO de algo semelhante se ter passado no maremoto que há semanas devastou o Japão; mas quando o tsunami de Dezembro de 2004 varreu as costas do Índico, houve uma jovem de 10 anos que salvou centenas de pessoas. Chamava-se Tilly Smith, tinha vindo de Oxshott, nos arredores de Londres e estava numa praia da Tailândia, em férias com os pais. Viu o mar esvaziar-se e os barcos agitarem-se nas águas, que se afundavam. Percebeu, pelo que tinha aprendido na escola, que esse movimento prenunciava o avanço de uma onda gigantesca. Avisou os pais, avisou todos os que estavam próximos e fê-los recuar a zona segura. Salvou muitas vidas.
Passados anos, em Setembro de 2009, passou-se algo semelhante no Pacífico. Uma jovem neo-zelandesa chamada Abby Wutzler, também com 10 anos, proveniente de Wellington, uma cidade tão acidentada que faz as colinas de Lisboa parecerem uma planície alentejana, defrontou-se com um recuo do mar numa praia de Samoa, onde estava de férias. Avisou os pais, avisou os turistas que se encontravam perto e de novo salvou muitas vidas.
Na altura, achei estas histórias curiosas. Mas o filósofo Fernando Savater, que recentemente esteve entre nós numa conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, fez-me ver as coisas de outra maneira. Estas jovens são heroínas do conhecimento, explicou. Elas viviam em zonas onde a identificação de tsunamis é virtualmente inútil. Mas usaram uma sabedoria que nunca sonharam poder vir a ter utilidade prática. E usaram-na por uma única razão: por que a tinham adquirido.
Fernando Savater falava sobre «O Valor de Educar, o Valor de Instruir» e usou estas histórias para mostrar como as aplicações do que se aprende são, muitas vezes, inesperadas. Se as jovens se tivessem recusado a estudar tudo o que se relaciona com tsunamis, pois são fenómenos que não as afectam nas suas localidades, jamais teriam tido possibilidade de salvarem a sua vida e a de outros.
Esta história deveria ser contada em todas as escolas. Sabemos como, muitas vezes, os alunos protestam contra a pretensa falta de utilidade do que aprendem; e como, por vezes, pais e alguns teóricos de educação se juntam a esse protesto. Herbert Spencer (1820–1903), o conhecido filósofo e sociólogo inglês, é um dos mais culpados por ter justificado essa moda. Tornou-se famosa a sua frase «O objectivo da educação não é o conhecimento, mas a acção», precursora da actual teoria das «competências», ou «conhecimento em acção», que seria o único objectivo válido e o único a que a escola se deveria dedicar.
É evidente que todos gostamos que o saber seja aplicável. Mas há muito conhecimento que não tem utilidade prática imediata e não podemos limitar o ensino por esse espartilho. Quando os alunos protestam dizendo que não vêm utilidade no que aprendem, estão na realidade a protestar por não estarem a perceber as matérias em causa. Quantas vezes nos deleitamos com conhecimentos aparentemente inúteis, mas que nos fascinam?
As ideias antiquadas de Spencer e dos seus seguidores continuam a perverter o sentido do ensino. Na escola e na vida, o saber deve valer por si. Mesmo que a sua aplicabilidade seja tão remota como a de jovens de 10 anos salvarem a família de um tsunami.
.Por Nuno Crato
NÃO HÁ REGISTO de algo semelhante se ter passado no maremoto que há semanas devastou o Japão; mas quando o tsunami de Dezembro de 2004 varreu as costas do Índico, houve uma jovem de 10 anos que salvou centenas de pessoas. Chamava-se Tilly Smith, tinha vindo de Oxshott, nos arredores de Londres e estava numa praia da Tailândia, em férias com os pais. Viu o mar esvaziar-se e os barcos agitarem-se nas águas, que se afundavam. Percebeu, pelo que tinha aprendido na escola, que esse movimento prenunciava o avanço de uma onda gigantesca. Avisou os pais, avisou todos os que estavam próximos e fê-los recuar a zona segura. Salvou muitas vidas.
Passados anos, em Setembro de 2009, passou-se algo semelhante no Pacífico. Uma jovem neo-zelandesa chamada Abby Wutzler, também com 10 anos, proveniente de Wellington, uma cidade tão acidentada que faz as colinas de Lisboa parecerem uma planície alentejana, defrontou-se com um recuo do mar numa praia de Samoa, onde estava de férias. Avisou os pais, avisou os turistas que se encontravam perto e de novo salvou muitas vidas.
Na altura, achei estas histórias curiosas. Mas o filósofo Fernando Savater, que recentemente esteve entre nós numa conferência organizada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, fez-me ver as coisas de outra maneira. Estas jovens são heroínas do conhecimento, explicou. Elas viviam em zonas onde a identificação de tsunamis é virtualmente inútil. Mas usaram uma sabedoria que nunca sonharam poder vir a ter utilidade prática. E usaram-na por uma única razão: por que a tinham adquirido.
Fernando Savater falava sobre «O Valor de Educar, o Valor de Instruir» e usou estas histórias para mostrar como as aplicações do que se aprende são, muitas vezes, inesperadas. Se as jovens se tivessem recusado a estudar tudo o que se relaciona com tsunamis, pois são fenómenos que não as afectam nas suas localidades, jamais teriam tido possibilidade de salvarem a sua vida e a de outros.
Esta história deveria ser contada em todas as escolas. Sabemos como, muitas vezes, os alunos protestam contra a pretensa falta de utilidade do que aprendem; e como, por vezes, pais e alguns teóricos de educação se juntam a esse protesto. Herbert Spencer (1820–1903), o conhecido filósofo e sociólogo inglês, é um dos mais culpados por ter justificado essa moda. Tornou-se famosa a sua frase «O objectivo da educação não é o conhecimento, mas a acção», precursora da actual teoria das «competências», ou «conhecimento em acção», que seria o único objectivo válido e o único a que a escola se deveria dedicar.
É evidente que todos gostamos que o saber seja aplicável. Mas há muito conhecimento que não tem utilidade prática imediata e não podemos limitar o ensino por esse espartilho. Quando os alunos protestam dizendo que não vêm utilidade no que aprendem, estão na realidade a protestar por não estarem a perceber as matérias em causa. Quantas vezes nos deleitamos com conhecimentos aparentemente inúteis, mas que nos fascinam?
As ideias antiquadas de Spencer e dos seus seguidores continuam a perverter o sentido do ensino. Na escola e na vida, o saber deve valer por si. Mesmo que a sua aplicabilidade seja tão remota como a de jovens de 10 anos salvarem a família de um tsunami.
«Números e Letras» - «Expresso» de 2 Abr 11
sábado, 2 de abril de 2011
A crise ao rubro: Ronaldo vira as costas
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Por Antunes Ferreira
O PINGUE-PONGUE entre Belém e São Bento (e com a rua de São Caetano a bolar por fora) é mais um episódio lamentável neste Portugal em crise. A questão é saber quem tem competência para solicitar a famigerada ajuda externa. O PR diz que o Governo - cuja demissão aceitou e já foi publicada no Diário da República – pode pedi-la.
O Executivo e o grupo parlamentar socialista dizem que não. Obviamente o PSD diz que sim. E para cúmulo, Bruxelas também vai pela afirmativa. Estamos perante mais um tristíssimo episódio desta política desregrada e obnóxia que vigora. E vem-me à cabeça, uma outra vez, a sabedoria popular: em terra em que não há pão, todos ralham e nenhum tem razão. Porra! Decidam-se.
Ontem, num País de mentira, foi o dia das mentiras; extraordinário, é o mínimo que posso dizer. Não foi uma coincidência, foi uma agravante. No entanto, a data serviu para os Lusos desanuviarem. Já anteriormente tinham-se borrado a rir com as declarações de Paulo Futre sobre a necessidade de contar com a China, na campanha eleitoral do Sporting.
No fundo – cuidado, utilizei a caixa baixa, não me refiro ao outro, perigosíssimo, até diabolizado no entender do senhor que se prepara para governar (?) uma terra que não se governa, deixa ser governada – nós, os Portugueses, gostamos da peta. De pouco mais, aliás, mas desta somos realmente adeptos, militantes e praticantes.
No entretanto, o melhor estava para vir, uma vez mais de origem britânica; desta feita, porém, o gozo é aceitável. «Portugal vende Cristiano Ronaldo à Espanha em operação de 160 milhões contra a dívida pública.» E mais: a Inglaterra está a pensar numa contra-proposta de 200 milhões. Vem assim mesmo, no jornal britânico “The Independent.”
«Vergado à dívida, e a digerir a mais recente desvalorização do estatuto do crédito do país, o ministro das Finanças de Portugal assegurou a cooperação do jogador mais bem pago do futebol, numa manobra audaciosa para tirar o país da ameaça do colapso económico», diz o artigo. E Cristiano Ronaldo, patriota, concordou. «Numa jogada que para muitos observadores vai levar à destruição do Mundial».
E surge, de seguida a explicação do plano governamental: «A verba, embora seja o dobro do actual recorde (pago pelo Real Madrid ao Manchester United por Ronaldo em 2009), nem se aproxima dos 12 milhares de milhões que Portugal deve, mas o senhor Sócrates, agora primeiro-ministro de gestão, acredita que os mercados internacionais encararão a operação como um símbolo da determinação de Portugal em atacar a crise, e responderão em conformidade.»
E o texto termina: «Ao fim da noite de ontem (Quinta-feira), relatos sugeriam que David Cameron está a preparar uma contra-proposta, de 200 milhões, para convencer Ronaldo a jogar pela Inglaterra.» Vince Cable, o ministro britânico das finanças, «propôs um imposto Ferrari para o pagar, embora ao próprio Ronaldo fosse dada isenção».
A ser assim, Ronaldo viraria as costas a Portugal, à Madeira, a Alberto João Jardim, a Paulo Bento e a Gilberto Madaíl, no mínimo; o que não admiraria, depois de o ter feito, e bem, ao mal educadão Carlos Queiroz. O texto tem piada, é oportuno e não ofende; motiva até umas boas gargalhadas. E enorme preocupação aos méis incautos e ingénuos.
Ficou célebre a frase «É Carnaval, ninguém leva a mal». No caso presente, prefiro «É dia das Mentiras, vê lá para onde te viras»…
O PINGUE-PONGUE entre Belém e São Bento (e com a rua de São Caetano a bolar por fora) é mais um episódio lamentável neste Portugal em crise. A questão é saber quem tem competência para solicitar a famigerada ajuda externa. O PR diz que o Governo - cuja demissão aceitou e já foi publicada no Diário da República – pode pedi-la.
O Executivo e o grupo parlamentar socialista dizem que não. Obviamente o PSD diz que sim. E para cúmulo, Bruxelas também vai pela afirmativa. Estamos perante mais um tristíssimo episódio desta política desregrada e obnóxia que vigora. E vem-me à cabeça, uma outra vez, a sabedoria popular: em terra em que não há pão, todos ralham e nenhum tem razão. Porra! Decidam-se.
Ontem, num País de mentira, foi o dia das mentiras; extraordinário, é o mínimo que posso dizer. Não foi uma coincidência, foi uma agravante. No entanto, a data serviu para os Lusos desanuviarem. Já anteriormente tinham-se borrado a rir com as declarações de Paulo Futre sobre a necessidade de contar com a China, na campanha eleitoral do Sporting.
No fundo – cuidado, utilizei a caixa baixa, não me refiro ao outro, perigosíssimo, até diabolizado no entender do senhor que se prepara para governar (?) uma terra que não se governa, deixa ser governada – nós, os Portugueses, gostamos da peta. De pouco mais, aliás, mas desta somos realmente adeptos, militantes e praticantes.
No entretanto, o melhor estava para vir, uma vez mais de origem britânica; desta feita, porém, o gozo é aceitável. «Portugal vende Cristiano Ronaldo à Espanha em operação de 160 milhões contra a dívida pública.» E mais: a Inglaterra está a pensar numa contra-proposta de 200 milhões. Vem assim mesmo, no jornal britânico “The Independent.”
«Vergado à dívida, e a digerir a mais recente desvalorização do estatuto do crédito do país, o ministro das Finanças de Portugal assegurou a cooperação do jogador mais bem pago do futebol, numa manobra audaciosa para tirar o país da ameaça do colapso económico», diz o artigo. E Cristiano Ronaldo, patriota, concordou. «Numa jogada que para muitos observadores vai levar à destruição do Mundial».
E surge, de seguida a explicação do plano governamental: «A verba, embora seja o dobro do actual recorde (pago pelo Real Madrid ao Manchester United por Ronaldo em 2009), nem se aproxima dos 12 milhares de milhões que Portugal deve, mas o senhor Sócrates, agora primeiro-ministro de gestão, acredita que os mercados internacionais encararão a operação como um símbolo da determinação de Portugal em atacar a crise, e responderão em conformidade.»
E o texto termina: «Ao fim da noite de ontem (Quinta-feira), relatos sugeriam que David Cameron está a preparar uma contra-proposta, de 200 milhões, para convencer Ronaldo a jogar pela Inglaterra.» Vince Cable, o ministro britânico das finanças, «propôs um imposto Ferrari para o pagar, embora ao próprio Ronaldo fosse dada isenção».
A ser assim, Ronaldo viraria as costas a Portugal, à Madeira, a Alberto João Jardim, a Paulo Bento e a Gilberto Madaíl, no mínimo; o que não admiraria, depois de o ter feito, e bem, ao mal educadão Carlos Queiroz. O texto tem piada, é oportuno e não ofende; motiva até umas boas gargalhadas. E enorme preocupação aos méis incautos e ingénuos.
Ficou célebre a frase «É Carnaval, ninguém leva a mal». No caso presente, prefiro «É dia das Mentiras, vê lá para onde te viras»…
sexta-feira, 1 de abril de 2011
Passatempo comemorativo do 3.º aniversário dos «Prémios António Costa»
DOS TRÊS veículos que se vêem em infracção nas duas fotos de cima, apenas um foi multado pela EMEL - decerto por razões muito válidas, porque nem um dos que que figuram nas imagens de baixo (e inúmeros outros cujas fotos se omitem) foram incomodados pela referida entidade - nem por qualquer outra.
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A pergunta que aqui se deixa é a seguinte: «Supondo que quem colocou o placard (que aqui se vê a vermelho) o fez com um magnífico sentido de oportunidade, o que é que lá fez constar (ou anunciar)?».
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