domingo, 21 de dezembro de 2008

As nossas culpas

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Por Nuno Brederode Santos
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SE BEM ENTENDI MIGUEL CADILHE, a coisa é esta: a Sociedade Lusa de Negócios perdeu muito com o muito que perdeu o seu Banco Português de Negócios. E este perdeu o que perdeu por má gestão, senão mesmo por gestão criminosa. Por isso – e porque o que a SLN perdeu, perderam-no os seus accionistas – o órgão estatutário máximo da sociedade, que é a sua Assembleia Geral, decidiu-se pela interposição de acções judiciais contra os titulares dos órgãos sociais (anteriores à tomada de posse de Cadilhe) “relativamente aos quais tenham sido ou venham a ser detectadas irregularidades”. Mas Cadilhe vai mais longe, sugerindo aos accionistas que interponham também acções contra o Estado, por erros, insuficiências ou culpas da supervisão da instituição.
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Este é o lado jovial da crise que nos atola. Uma tribo mundial de rendidos aos prazeres da vida – e se ela os tem!... – tomou a “mão invisível” de Adam Smith, prendeu-se à letra das palavras e confundiu a ideia de um funcionamento autónomo, harmonioso e automático do mercado com a compreensível ambição de um carteirista num comboio suburbano. Depois, mundializaram esta ideia (com a prévia e sensata cautela de tornarem o mundo seu) e entregaram o nacionalismo, que entenderam já não ter préstimo, ao desespero afectivo de um proletariado que minguava. Conheceram todos os mimos: a Louis Vuitton, o Aston Martin Lagonda e a trufa branca. Fomentaram outros, mesmo que salvos da nossa inveja: o ouro maciço num Rolex e o pequeno almoço no recato de um seis estrelas ,no Dubai, com a Céline Dion (e direito a fotografia autografada) –ou seja, tudo o que nos faz pele de galinha. Desmaterializaram o dinheiro, para que os pobres, ainda senhores da oponibilidade do polegar aos outros dedos, não o pudessem segurar. E a riqueza das nações tornou-se num murmúrio nocturno, que rumorejava em “overnights”, durante o sono dos justos. Constituíram, nas barbas da nossa inocência um tanto negligente, a versão facinorosa – a que alguns chamaram também ultramontana – do neoliberalismo. Na Europa, só se lhes atravessava no caminho a ideia de regulação. E, por isso, lhe moveram uma guerra sem quartel, não raro apoiada no ressentimento de vários aliados de circunstância. Se olharmos para o nosso próprio umbigo, vê-lo-emos. Pode, sem dúvida haver razões para criticar a Autoridade da Concorrência, a Asae, a ERC, a CMVM, o ISP, o BdP, a REN, a ERSE ou a Anacom. Pode a experiência europeia não ter produzido ainda a excelência regulamentadora. Mas, entre nós, qualquer delas, todas elas, gozam do apreço que o Casal Venoso votava ao polícia de giro. A bem dos interesses da tribo alienígena, mesmo quando é o povo que se queixa. E mesmo quando o faz com razão.
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A crise financeira mundial travou-lhes o passo e abriu os olhos aos gentios. Mas, como na saga do “Terminator”, não lhes pôs cobro. Enquanto não há reforma para o sistema, eles estrebucham e procuram uma nova moral que assenta na eliminação da responsabilidade. Os factos é que mandam: se as consequências são para todos, então o remédio terá de ser de todos também. A moral deixou de ser que o lucro era a contrapartida do risco. Além de sofrerem as consequências, agora querem que os povos as paguem. O Estado, que eles continuam a considerar congenitamente mau gestor, é acolhido e celebrado como um excelente pagador. Já não basta que acorra à protecção dos inocentes, há que vestir os culpados de andrajos e dissimulá-los por entre a multidão gemebunda.
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Por isso, não basta já serem defendidos no seu bom nome, por mero reflexo da defesa dos depositantes. Querem ser inocentados expressamente e indemnizados até ao último tostão por terem perdido a cautela que já todos sabemos branca (se não falsa). As eventuais culpas de Oliveira e Costa e outros não lhes pagam os prejuízos (ou a mera frustração de ganhos), mas se todos acorrerem a pagar isso resolve-se. Não importa que caiba à Assembleia Geral de accionistas escolher os gestores da sociedade e apreciar, em última instância, a sua gestão. Não vem ao caso que tenham aprovado as contas anuais sem fazer perguntas, enquanto o dinheiro afluía. É irrelevante que os Conselhos Fiscais e os auditores que eles escolheram tenham sancionado essa gestão. Mas, sobretudo, não conta que a regulação tenha em vista a defesa dos utentes: clientes, fornecedores, depositantes – todos os que alegadamente a supervisão não terá defendido da sociedade. Houve ali “falha de Estado” e o Estado tem de pagar, até que o último milhão do accionista seja salvo pelo último cêntimo do contribuinte.
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Era interessante que a tese tivesse pés para andar. Isso diria muito sobre o nosso Direito e/ou sobre a nossa Justiça. Mas se Cadilhe acreditasse nisso, era a própria sociedade quem accionava o Estado.
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«DN» de 21 de Dezembro de 2008
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