Por Nuno Brederode Santos
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HÁ UMA NEURASTENIA que deve ser filha do cansaço. É, pelo menos, o que sinto, ao constatar que, com uma folha em branco pela frente, estive meia hora a observar a palmeira do vizinho e, nestes últimos minutos, pareceu-me vê-la crescer. Mas este cansaço é anímico, só afecta a vontade e o optimismo (sendo que, quanto a este, a natureza foi parca e nada esbanjou comigo).
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Eu era seis semanas mais novo quando aqui escrevi sobre o problema, que ao Parlamento se punha, quanto ao estatuto autonómico dos Açores. No essencial, dizia que deixava aos constitucionalistas a discussão sobre os alcances do diploma e que me queria cingir a uma abordagem política. Que a autonomia insular foi concebida como instrumento de combate contra os custos da insularidade e visava, na fórmula - a que chamei "já ingénua" - do n.º 2 do art. 225.º da Constituição, o "reforço dos laços de solidariedade entre todos os portugueses". Que a fórmula provou bem e cumpriu, estando de há muito a Madeira entre as três regiões portuguesas com melhores indicadores e apresentando os Açores números lisonjeiros no ritmo comparado do seu desenvolvimento. Dir-se-ia então estar tudo bem. Não está. A prática autonomista foi-se progressivamente fechando numa atitude cada vez menos solidária e recusando considerar sequer a partilha de qualquer preocupação com os custos da interioridade, nos quais residem hoje os mais clamorosos atentados à coesão nacional. Todos os partidos - com PSD e PS à cabeça (por via das suas hegemonias políticas na Madeira e nos Açores) - foram progressivamente apostando no valor emblemático das eleições regionais e nenhum quer prejudicar os seus resultados com a imposição de uma lógica nacional. O Estado unitário que somos é cada vez mais desmentido na prática (e, no caso da Madeira, claramente no discurso oficial), fazendo-se caminho sorrateiro para um federalismo que os portugueses não votaram. E terminava perguntando como é que o poder central vai explicar a "alentejanos, transmontanos e beirões" a sua obrigação de, sendo mais pobres, estarem a pagar esses custos que não conhecem, nem as regiões autónomas lhes querem dar o direito de discutir. Esta caminhada institucional para o delírio tem sido feita por todos - repito, todos - os partidos na Assembleia da República.
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Há os que agora são contra (desdizendo, de resto, as suas votações anteriores no mesmo caso). Mas fazem-no com o argumento de que não tem sentido ou não é prudente um braço de ferro com o Presidente da República. Ou, no caso do PSD, porque deve ver ali direito divino e entende que nunca se deve contrariá-lo. São variantes tão oportunistas como o seu contrário, porque os regimes não se desenham pelo traço dos humores de seja quem for.
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Há o PS que o trava e pode eventualmente impor-se (por agora, pelo menos). Procuro explicações e só me dão duas. A primeira é a de que Sócrates é um homem de palavra e empenhara-a antes das eleições nos Açores. Será cavalheiresco. Mas por que raio nos havemos de vergar à virtude que possa haver num erro, quando, ainda por cima, somos dez milhões a pagar os custos dele? A segunda, a de que os portugueses (continentais, presume-se) se estão nas tintas para as ilhas, é demasiado deprimente para levar a sério.
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Restar-nos-á o Presidente da República, para quem parecem apontar tantos comentadores? Há meses, cheguei a admitir que talvez. Mas não há. Por que a razão de fundo que agora o move não lhe ditou a conduta em várias situações posteriores, nas quais revelou uma confrangedora dualidade de critérios para com a Madeira e os Açores. Ao aceitar que lhe vedassem o acesso à Assembleia Legislativa da Madeira - ainda por cima com explicações públicas de Jardim que resultavam num insulto soez a toda a oposição regional - e ao vergar-se a convidar para um jantar de consolação os partidos preteridos, Cavaco Silva não representou os portugueses, mas apenas o chefe local, os seus incondicionais e a sua própria fraqueza. Ao proferir, neste mesmo contexto, um ditirambo incontido sobre as excelências da governação local, reincidiu, já não por encobrimento, mas por cumplicidade. Ao omitir qualquer declaração sobre esse carnaval da democracia que foi a suspensão dos plenários parlamentares da Madeira e a interdição física, levada a cabo por seguranças privados, do acesso de um deputado eleito, sob a alegação de que estas coisas se resolvem melhor no silêncio das chancelarias, ele entrou em contradição insanável com as ruidosas mensagens ao país sobre as questões do estatuto açoriano. Depois de tudo isso, o Presidente já não está a defender o regime, mas a sua própria imagem pública. Ora o regime é que é o nosso problema. A defesa da imagem, sendo embora um direito, é com quem julga precisar dela.
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Por maioria que - quero acreditar - sejamos, parece que, nesta matéria, estamos sós. Tem graça. Passou-se mais de uma hora, foi-se a neurastenia e agora vejo melhor: a palmeira não cresceu.
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«DN» de 7 de Dezembro de 2008 - Este texto é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.