Por Baptista-Bastos
"OS RESULTADOS estão muito aquém das nossas expectativas. São decepcionantes", disse Sócrates, rosto compacto e voz pesada. Já suspeitava de que o primeiro-ministro tem vivido num universo plano, no qual é inexistente a espessura das coisas e a evidência dos factos. A prova forneceu-a ele próprio, com a taciturna confissão. Que esperava da sua rude teimosia, da sua obtusa empáfia, ele, mais propenso às volúpias do mando do que às obediências da ideologia?
Sócrates perdeu para quem? A admitir, como júbilo, a selvagem alegria de Paulo Rangel, e como declaração de impostos a fúnebre catadura de Vital, Sócrates perdeu para toda a gente. Mas o PSD vence quem? O PS e o Governo? Se a verdade enriquece mais do que a reticência, o Bloco Central sai incólume deste imbróglio. O Bloco Central é uma instância de poder, desprovida de convicções, e, sobretudo, destinada a distribuir empregos. O PS não é "socialista" (creio que nunca o foi) e o PSD foge espavorido da "social-democracia".
É verdade que o Bloco subiu, o PCP aumentou o número de votantes, e o CDS sacudiu a letargia com a qual desejavam amortalhá-lo. Mas as coisas estão rigorosamente na mesma: elementares e antigas. A mesa está posta para os mesmos. E não é preciso restaurar a frase de Lampedusa; basta reler, por exemplo, o "Portugal Contemporâneo", do Oliveira Martins, para se entender quem manda e sempre aqui mandou.
Paulo Rangel saiu-se menos-mal de uma contenda de mediocridades. No PSD é olhado de viés. O baronato acha-o levemente patusco e um pouco ridículo. Pelejou sozinho, ou quase, contra desdéns e omissões. Ao contrário do que afirma o cada vez mais enfatuado e fatigante Pacheco Pereira, o candidato do PSD não seguiu a "estratégia" da dr.ª Manuela, pela simples razão de que essa "estratégia" não existe. A vitória nestas eleições cabe, por inteiro, a Paulo Rangel, o qual atribuiu a si próprio a defesa de um castelo cercado, cujos paladinos haviam debandado. Que fazer com esta vitória? Os senhores do PSD começaram, já, a assenhorear-se de uma glória que lhes não pertence; Rangel vai para Bruxelas mas, antes, será crestado em fogo brando; e, com maior ou menor fortuna, passada a increpação nervosa do momento, a dr.ª Manuela continuará alvo de conspirações e objecto de pequenas deslealdades. É o PSD, tal o caracterizou Sá Carneiro.
Em todo o caso, acentua-se a decadência do PS, esse projecto sem projecto, esse "socialismo" desacreditado e desacreditante. Mas poderá José Sócrates inverter a tendência para o abismo? Fará pequenos remendos como um remorso sobressaltado. Apenas isso. Nada de substancial que sacuda a leve rotina das coisas
«DN» de 10 de Junho de 2009. Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.