Por Alice Vieira
JÁ DEVE SER para aí a terceira vez que a oiço dizer a mesma coisa, mas não entendo.
Longe de mim dar parte de fraca, a linguagem dos adolescentes muda todos os dias, eu já devia saber, e por isso continuo na conversa, e ela vai falando.
Ela, que ainda há tão pouco tempo se alimentava da “little Kitty”, e do “meu pequeno poney", e dos livros da Miffy - e agora troca de t-shirts comigo, e entra nos meus segredos e eu nos dela.
Ela que, num dia de crise (minha) me deu o sábio conselho de que “nenhum homem merece que se engorde por causa dele”.
Ela, em tantas coisas tão adulta, vai falando das amigas, da escola, do grupo de teatro, e da “seca” que foi ter de ler o Garrett.
Armo em avó pedagógica, lá saio em heróica defesa do Garrett, mas ela repete “uma seca” e, logo a seguir, a misteriosa palavra. Interjeição? Onomatopeia? Grunhido?
Pelo menos agora distingo os sons: “lol”.
Entre duas frases, aquele estranho vocábulo: lol.
Não me contive:
“Mas o que é que tu estás sempre a dizer?”
Ela olha para mim, sem entender, encolhe os ombros, “então, respondo ao que tu perguntaste”, e eu “não, não é isso, é aquela palavra que tu disseste depois, mesmo no fim da frase”, e ela faz um ar admiradíssimo, e lá repete “o quê? Lol? Ó avó, tu não me digas que não sabes o que quer dizer “lol”!
É evidente que sei, também não ando assim tão afastada dessas magníficas aquisições linguísticas que as novas tecnologias motivaram! Sei perfeitamente que “lol” é a sigla que corresponde à expressão “laugh out loudly”, ou seja, a maneira de, em telemóvel e e-mail, se explicar às pessoas, que não nos vêem, que estamos a rir que nem uns doidos. O meu espanto é essa linguagem já ter passado à oralidade.
“Então”— proponho —“ e se em vez de dizeres isso, tu te risses, muito simplesmente, não era bem melhor?”
Faz um ar espantadíssimo, como se eu lhe propusesse qualquer coisa do outro mundo e, com aquele ar condescendente que se deve ter para com quem ainda certamente privou de perto com os dinossauros, explica que agora todos falam assim, porque assim é muito mais fácil.
E remata: “ai avó, se tu soubesses a trabalheira que dá a gente rir…”
Rir dá trabalho?
Pelos vistos dá.
Pelos vistos agora já não é só a escola que dá trabalho, não são só os livros que é preciso ler que dão trabalho, não é só o Garrett que dá trabalho. Agora, até rir dá trabalho.
Olhámos uma para a outra, muito sérias ambas, mas de repente não houve “lol” que nos valesse, e desatámos as duas a rir, mas a rir mesmo, gargalhadas das boas, das genuínas.
Se calhar daquelas que dão mesmo uma grande trabalheira, mas que ainda nada conseguiu substituir.
.
«JN» de 20 de Junho de 2009
JÁ DEVE SER para aí a terceira vez que a oiço dizer a mesma coisa, mas não entendo.
Longe de mim dar parte de fraca, a linguagem dos adolescentes muda todos os dias, eu já devia saber, e por isso continuo na conversa, e ela vai falando.
Ela, que ainda há tão pouco tempo se alimentava da “little Kitty”, e do “meu pequeno poney", e dos livros da Miffy - e agora troca de t-shirts comigo, e entra nos meus segredos e eu nos dela.
Ela que, num dia de crise (minha) me deu o sábio conselho de que “nenhum homem merece que se engorde por causa dele”.
Ela, em tantas coisas tão adulta, vai falando das amigas, da escola, do grupo de teatro, e da “seca” que foi ter de ler o Garrett.
Armo em avó pedagógica, lá saio em heróica defesa do Garrett, mas ela repete “uma seca” e, logo a seguir, a misteriosa palavra. Interjeição? Onomatopeia? Grunhido?
Pelo menos agora distingo os sons: “lol”.
Entre duas frases, aquele estranho vocábulo: lol.
Não me contive:
“Mas o que é que tu estás sempre a dizer?”
Ela olha para mim, sem entender, encolhe os ombros, “então, respondo ao que tu perguntaste”, e eu “não, não é isso, é aquela palavra que tu disseste depois, mesmo no fim da frase”, e ela faz um ar admiradíssimo, e lá repete “o quê? Lol? Ó avó, tu não me digas que não sabes o que quer dizer “lol”!
É evidente que sei, também não ando assim tão afastada dessas magníficas aquisições linguísticas que as novas tecnologias motivaram! Sei perfeitamente que “lol” é a sigla que corresponde à expressão “laugh out loudly”, ou seja, a maneira de, em telemóvel e e-mail, se explicar às pessoas, que não nos vêem, que estamos a rir que nem uns doidos. O meu espanto é essa linguagem já ter passado à oralidade.
“Então”— proponho —“ e se em vez de dizeres isso, tu te risses, muito simplesmente, não era bem melhor?”
Faz um ar espantadíssimo, como se eu lhe propusesse qualquer coisa do outro mundo e, com aquele ar condescendente que se deve ter para com quem ainda certamente privou de perto com os dinossauros, explica que agora todos falam assim, porque assim é muito mais fácil.
E remata: “ai avó, se tu soubesses a trabalheira que dá a gente rir…”
Rir dá trabalho?
Pelos vistos dá.
Pelos vistos agora já não é só a escola que dá trabalho, não são só os livros que é preciso ler que dão trabalho, não é só o Garrett que dá trabalho. Agora, até rir dá trabalho.
Olhámos uma para a outra, muito sérias ambas, mas de repente não houve “lol” que nos valesse, e desatámos as duas a rir, mas a rir mesmo, gargalhadas das boas, das genuínas.
Se calhar daquelas que dão mesmo uma grande trabalheira, mas que ainda nada conseguiu substituir.
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«JN» de 20 de Junho de 2009
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