Por Antunes Ferreira
DEIXEM QUE VOS DIGA que estes míseros 14 dias de ausência corresponderam às melhores mini-férias que gozei nos últimos 15 anos. Em cheio, com gente amiga e boa – vai sendo um tanto difícil conciliar estes dois adjectivos – palavras ao correr do descorrer, leitura diversificada, galhofa q.b., de papo para o ar regaladamente, e no respeitante a cómidas e bóbidas, ignorando O Livro de Pantagruel e o Guia Michelin, por absolutamente desnecessários. Um mimo.
Saí – saímos, a Raquel e eu – logo após termos votado, cumprido o ritual do costume, sem grande resultado do procedimento cívico, como depois se constatou, e jurei (ámos) que não ligaríamos peva à política, com uma excepção óbvia: conhecer os resultados das urnas. O que se revelaria quase fatal. Mas, bem diz o Povo, o homem põe e Deus dispõe. Acontece mesmo ao mais pintado, e que fizera esse solene propósito de procedimento.
Foi em Viana do Castelo, poiso de dois dias, a Senhora da Agonia abençoando, tutelar, a cidade onde o Coutinho tristemente famoso continua em pé, aguardando demolição e justiça. Encontrámos um casal amicíssimo, vizinho (casa com casa) nosso em Luanda durante sete anos, e alinhado partidariamente connosco. Recordámos a Restinga, a cerveja, os camarões, o jindungo, os cacussos da barra do Cuanza, na altura sem K, e outros condimentos.
Claro que saiu muamba para o almoço do dia seguinte. Ela é especialista. Nem se atacara ainda o pudim do abade de Priscos e, de repente, sibilina, a questão insidiosa: ó Ferreira, que abanão; o que achaste das eleições? E eu, ainda dorido, mas tentando a prática do dito militar – incha, desincha e passa – confessei que, lamentavelmente, esperava que as coisas tivessem corrido malzinho, mas tanto não. Opinião imediatamente comungada e corroborada pelos três restantes comensais. Mas logo acrescentei o calino «como dizia o outro», podia ter sido pior. Espanto, incredibilidade, sobrancelhas levantadas, como?
Gente, a partir de agora declaro interdito o tema, estou farto de. Mas, explico-me: o tsunami que aconteceu ao Sócrates, ao Vital (?) Moreira e aos outros recorda-me uma anedota – a do sujeito que, perante as desgraças mais… desgraçadas, fazia sempre tal afirmação: podia ter sido pior. Os comparsas, sabedores experimentados e conscientes da minha propensão para o anedotário, esperavam, complacentes.
Um dia, o cidadão encontrou-se, como habitualmente, com um amigo do peito, no café da esquina, duas bicas cheias em chávena quente, dois copos de água (ou será com água?) fria e palitos. E o segundo, erguendo o dedo indicador direito, perguntou-lhe: conheces aquela nossa vizinha louraça, boazona, do 223, 2.º Esquerdo? Perfeitamente, um espécime daqueles é sobejamente conhecido, urbi et orbi, mais do que o Papa.
Pois, olha: hoje de manhã, o marido esqueceu-se das chaves do escritório, voltou a casa e foi encontrá-la na cama com um senhor que não era ele nem nada, aparentemente a experimentarem as respectivas aptidões para o wrestling, em trajes copiadinhos dos que o Adão e a Eva usavam no Paraíso, antes da perversa serpente, da maçã, do pecado original, enfim.
O esposo duplamente armado pois que trazia usualmente automática no bolso, despachou os dois apenas com dois balázios. E, aparentemente satisfeito, foi entregar-se na esquadra lá do bairro, dizendo que fizera o que tinha de ser feito. Prisão maior, no horizonte. Um drama, menino, um dramalhão de faca e alguidar.
Logo, do primeiro surdiu o comentário habitual: podia ter sido pior… Pior???, assoprou o outro. Pior??? Pior??? O palito benfazejo caiu-lhe da boca, tal o tom da interrogação tri-repetida.
Podia. Olha se fosse ontem. Era eu que estava na cama da louraça, engalfinhados e peladinhos ambos, até ao pescoço. Podia ter sido pior. E tomou um gole de água, geladinha.
DEIXEM QUE VOS DIGA que estes míseros 14 dias de ausência corresponderam às melhores mini-férias que gozei nos últimos 15 anos. Em cheio, com gente amiga e boa – vai sendo um tanto difícil conciliar estes dois adjectivos – palavras ao correr do descorrer, leitura diversificada, galhofa q.b., de papo para o ar regaladamente, e no respeitante a cómidas e bóbidas, ignorando O Livro de Pantagruel e o Guia Michelin, por absolutamente desnecessários. Um mimo.
Saí – saímos, a Raquel e eu – logo após termos votado, cumprido o ritual do costume, sem grande resultado do procedimento cívico, como depois se constatou, e jurei (ámos) que não ligaríamos peva à política, com uma excepção óbvia: conhecer os resultados das urnas. O que se revelaria quase fatal. Mas, bem diz o Povo, o homem põe e Deus dispõe. Acontece mesmo ao mais pintado, e que fizera esse solene propósito de procedimento.
Foi em Viana do Castelo, poiso de dois dias, a Senhora da Agonia abençoando, tutelar, a cidade onde o Coutinho tristemente famoso continua em pé, aguardando demolição e justiça. Encontrámos um casal amicíssimo, vizinho (casa com casa) nosso em Luanda durante sete anos, e alinhado partidariamente connosco. Recordámos a Restinga, a cerveja, os camarões, o jindungo, os cacussos da barra do Cuanza, na altura sem K, e outros condimentos.
Claro que saiu muamba para o almoço do dia seguinte. Ela é especialista. Nem se atacara ainda o pudim do abade de Priscos e, de repente, sibilina, a questão insidiosa: ó Ferreira, que abanão; o que achaste das eleições? E eu, ainda dorido, mas tentando a prática do dito militar – incha, desincha e passa – confessei que, lamentavelmente, esperava que as coisas tivessem corrido malzinho, mas tanto não. Opinião imediatamente comungada e corroborada pelos três restantes comensais. Mas logo acrescentei o calino «como dizia o outro», podia ter sido pior. Espanto, incredibilidade, sobrancelhas levantadas, como?
Gente, a partir de agora declaro interdito o tema, estou farto de. Mas, explico-me: o tsunami que aconteceu ao Sócrates, ao Vital (?) Moreira e aos outros recorda-me uma anedota – a do sujeito que, perante as desgraças mais… desgraçadas, fazia sempre tal afirmação: podia ter sido pior. Os comparsas, sabedores experimentados e conscientes da minha propensão para o anedotário, esperavam, complacentes.
Um dia, o cidadão encontrou-se, como habitualmente, com um amigo do peito, no café da esquina, duas bicas cheias em chávena quente, dois copos de água (ou será com água?) fria e palitos. E o segundo, erguendo o dedo indicador direito, perguntou-lhe: conheces aquela nossa vizinha louraça, boazona, do 223, 2.º Esquerdo? Perfeitamente, um espécime daqueles é sobejamente conhecido, urbi et orbi, mais do que o Papa.
Pois, olha: hoje de manhã, o marido esqueceu-se das chaves do escritório, voltou a casa e foi encontrá-la na cama com um senhor que não era ele nem nada, aparentemente a experimentarem as respectivas aptidões para o wrestling, em trajes copiadinhos dos que o Adão e a Eva usavam no Paraíso, antes da perversa serpente, da maçã, do pecado original, enfim.
O esposo duplamente armado pois que trazia usualmente automática no bolso, despachou os dois apenas com dois balázios. E, aparentemente satisfeito, foi entregar-se na esquadra lá do bairro, dizendo que fizera o que tinha de ser feito. Prisão maior, no horizonte. Um drama, menino, um dramalhão de faca e alguidar.
Logo, do primeiro surdiu o comentário habitual: podia ter sido pior… Pior???, assoprou o outro. Pior??? Pior??? O palito benfazejo caiu-lhe da boca, tal o tom da interrogação tri-repetida.
Podia. Olha se fosse ontem. Era eu que estava na cama da louraça, engalfinhados e peladinhos ambos, até ao pescoço. Podia ter sido pior. E tomou um gole de água, geladinha.