sábado, 5 de março de 2011

O ovo de Colombo

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Por Antunes Ferreira

É DO CONHECIMENTO geral que as coisas vão de mal a pior por estas nossas bandas. Tudo o que é gente e/ou instituição que se preze vem vaticinando o futuro mais negro para Portugal. Dos mimos das agências de rating até aos solavancos que continuam sobre os juros da dívida soberana lusa, a questão já é apenas saber-se quando o FMI ou o Fundo de Estabilização Europeu põem aqui a bota.

Bem se esforçam Sócrates e Teixeira dos Santos por tentar passar a mensagem que se resume facilmente: não precisamos de «ajuda» externa para nada. Safamo-nos sozinhos. O paternal ditador de Santa Comba Dão falava no «orgulhosamente sós». Tratava-se do problema colonial, ou ultramarino, para o regime. Sem pretender mais do que recordar a afirmação calina, não faço comparações espúrias.

Andamos numa roda-viva em busca de um iluminado que ponha em pé o ovo mágico que resolveria o imbróglio. Mas, o Mestre Cristóvão já se finou há tempo suficiente para inviabilizar a procura e muito menos a solução. Bom seria se conseguíssemos atingir o objectivo; porém, nem a Senhora Merkel consegue tal milagre ovíparo. É muito chato, mas é.

Este assunto, traz-me à memória uma estória muito curiosa que aconteceu na Bolívia. Essa agora?, perguntar-me-ão. Eu conto-a para os que ainda me conseguem seguir, corajosa e denodadamente. Nos princípios do século passado tinha sido fundado em La Paz «El Diario». O seu primeiro director e proprietário foi um nome grande do jornalismo boliviano: Don Jose Carrasco Torrico.

Homem ocupadíssimo, como se compreende, por vezes as inúmeras solicitações que tinha impediam-no de estar tão presente no periódico tanto quanto ele desejava. Mas, uma coisa havia que para ele era sagrada: o editorial quotidiano. Estivesse onde estivesse, o escrito chegava pontualmente à tipografia. Nem um terramoto abalaria essa determinação.

O 12 de Outubro de 1492 foi a data do descobrimento da América; por isso se tornou no Dia da Raça. A figura de Cristóvão Colombo, autor confesso da ocorrência, foi por inúmeras vezes citada na Imprensa e sempre associada ao famoso episódio do ovo em pé.

Num desses dias, Don Jose Carrasco, episodicamente fora do jornal, enviou por mensageiro o seu texto intitulado precisamente El huevo de Colón. O linotipista de serviço iniciou de imediato a composição, mas logo no título lhe surgiu uma dúvida. Huevo, na gíria da fala castelhana menos educada tem ou outro significado.

O bom homem pensou que el señor Director nunca utilizara, nem utilizaria tal calão. E dada a ausência do editorialista, o compositor permitiu-se a correcção que entendeu absolutamente necessária. No dia seguinte, «El Diario» publicava o editorial intitulado El testículo de Colón. Isto porque o termo lhe pareceu mais correcto e menos indelicado. Imaginam-se as reacções e as gargalhadas do público, a actuação de Don Carrasco e as consequências para o zeloso tipógrafo.

Neste nosso pobre País, a estória parece-me ser adequada, ainda que com uma ligeira adaptação: é o que se diz meter o tomate na virilha. Para não utilizar terminologia mais vernácula. Isto é que vai uma crise.