segunda-feira, 7 de março de 2011

As Universidades em Portugal

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Por Maria Filomena Mónica

O QUE TÊM EM COMUM a Universidade de Lisboa, o Observatório Meteorológico da Ajuda e o Censo de 2011? Aparentemente nada. Vale todavia a pena olhar mais de perto. A propósito do Centenário daquela Universidade, o Reitor organizou uma série de «Cem Lições» proferidas por ex-alunos. Composta por meia dúzia de gatos-pingados, entre os quais me encontrava, a assistência revelou o óbvio: em Portugal, não existem Universidades.

Há alguns meses, um médico ordenou-me que andasse 40 minutos por dia. Comecei pela Tapada da Ajuda. Uma vez ali, deparei-me com o Observatório Meteorológico mandado construir, na década de 1850, por D. Pedro V. Faz este mês 150 anos que a primeira pedra foi por ele lançada. Apesar de o interior conter, ao que me dizem, um conjunto fascinante de instrumentos, não pode ser visto. Por outro lado, a beleza do edifício neo-clássico tão pouco estimulou o restauro. Perguntei a quem pertencia. A resposta deixou-me estupefacta: à Universidade de Lisboa.

Chegamos ao Censo de 2011: acabo de ser informada que 34% dos 50.000 candidatos à distribuição dos questionários porta a porta tem formação superior. Mas foi para esta tarefa que as Universidades andaram a preparar gente? É esta a geração «qualificada» de que o engº Sócrates gosta de falar? Como se sentirão os jovens que, dentro de dias, nos abordarão, envergando um colete verde reflector?

Se procurarmos averiguar quem são os responsáveis pela deplorável situação a que chegámos, temos que colocar, na primeira fila, os Ministros da Educação. Mas nem toda a responsabilidade é deles. Na medida em que, por preguiça ou indiferença, as Universidades abdicaram de ter uma palavra a dizer sobre os seus alunos, tornaram-se cúmplices. Por surpreendente que pareça, quem escolhe os jovens que entram no ensino superior é um computador.

Não minimizo as dificuldades sentidas, depois de 1974, pelas Universidades. Sem um passado em que ancorar os cursos, defrontando uma classe média exigindo que os filhos a ela tivessem acesso, não dispondo de um corpo docente qualificado, o regime democrático viu-se perante um problema. A direita, por covardia, e a esquerda, por convicção, acordaram em que o ingresso na Universidade era um direito fundamental. Ora, pela sua natureza, esta é elitista.

Uma boa Universidade é uma comunidade. A ausência de salas quer para professores que para alunos revela o que ali se passa: os docentes chegam, dão as aulas e desaparecem. Eis tudo. Ora, longe de ser uma corrida durante a qual os concorrentes procuram chegar em primeiro lugar, uma Universidade é o local onde tem lugar uma conversa. Sim, uma conversa, ou seja, um debate. Eis o que não existe. Olho a Universidade como o fazia Almeida Garrett quando falava dos frades, em Viagens na Minha Terra. Tenho saudades, não do que foi, mas do que poderia ter sido. Quando a critico, não é baseada em sentimentos nostálgicos, mas em nome daquilo que, em 1974, imaginei ser possível.
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«Expresso» de 5 Mar 11