sábado, 25 de outubro de 2008

O GRANDE PONTO! (*)

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UM BELO DIA, quando nada o faria prever, os nossos amigos receberam a visita do Dr. Andorinhas.
Vinha extremamente nervoso, de camisa desabotoada, e mal conseguia respirar!
— Preciso urgentemente da vossa ajuda - disse ele, por fim, quando conseguiu falar - Vai aparecer aqui o Engenheiro Milhafre e quero que estejam preparados para uma coisa muito desagradável…
E passou a explicar:
O Engenheiro Milhafre, que era o seu maior inimigo dentro da empresa, andava a preparar mais uma grande patifaria!

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Mas agora é necessário dar uma explicação: sabem o que é um relógio-de-ponto?
É uma máquina onde as pessoas registam a horas a que entram e saem dos empregos.
Como se compreende, essas máquinas são muito importantes, pois é por elas que se pode saber se as pessoas estão a trabalhar o número de horas necessário.
É claro que na Mykro-Makro também havia vários relógios desses.
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Ora o Engenheiro Milhafre tivera uma ideia diabólica:
Resolvera arranjar maneira que os relógios atrasassem, ao fim do dia, alguns minutos!!
Assim, quando as pessoas fossem a sair - julgando que já tinham trabalhado tudo - ficavam a saber que ainda tinham que trabalhar mais!
Ao princípio isso tinha acontecido por acaso, devido a uma avaria, mas o cérebro diabólico do Engenheiro entrara em acção!
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E o Dr. Andorinhas continuava:
— Ele sabe que vocês são uns génios nestas coisas técnicas. Por isso, vai aparecer aqui e pedir-lhes para arranjarem maneira de os relógios passarem a atrasar bastante mais!
Malaquias ficou muito admirado e respondeu:
— Mas isso é de uma desonestidade a toda a prova, Doutor! Nós não vamos colaborar numa aldrabice dessas!
Só que o Dr. Andorinhas já vinha preparado para essa resposta.
— Eu sei, meus amigos, eu sei! Mas se vocês se negarem a fazer o trabalho ele vai pedir a outros. O que é que hei-de fazer?!
E foi nessa altura que o nosso amigo Malaquias, depois de falar demoradamente com a irmã e com o primo, lhe respondeu:
— Vá-se embora sossegado, doutor… Acho que já sei o que vamos fazer…
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Ainda não se tinham passado dez minutos quando um estranho indivíduo, com cara de louco, óculos de aros, dentes de fora e orelhas arrebitadas entrou pela loja adentro.
Trazia dois enormes embrulhos, um debaixo de cada braço, e não perdeu muito tempo a explicar o que queria.
A sua voz era difícil de entender, mas os nossos amigos, que já sabiam ao que ele vinha, também não precisaram de grandes explicações…
— Quero que, quando for a hora da saída, o relógio atrase! - disse o homem, sem dar novidade nenhuma. - E MUITO! Mesmo MUITO!
E Malaquias começou a perguntar-lhe:
— Quanto? Cinco minutos?
— Mais! - respondeu o estranho indivíduo.
— Dez minutos? Quinze?
— Não!! Quero MAIS, MUITO MAIS! - prosseguia o louco, com os olhos a brilhar, e dando saltinhos nervosos.
— Então isso vai demorar um bocado… Volte cá amanhã por esta hora - respondeu-lhe o nosso amigo.
— Então sempre é possível o que eu quero?! - perguntou o homem, com os seus olhinhos pequenos a brilhar e a piscar.
— Claro, Senhor Engenheiro. Claro que é possível!
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Nessa noite os três inventores atiraram-se ao trabalho com toda a força e, quando no dia seguinte o cavalheiro voltou, teve a suprema alegria de ver que lhe tinham feito a vontade…
Pegou nos relógios e, sem sequer agradecer nem se despedir de ninguém, saiu porta-fora, feliz da vida…
E os nossos amigos ficaram a ver, através do vidro da montra, o pobre louco que se afastava, com os dois relógios debaixo do braço, rindo e dançando por entre os canteiros do jardim ali da frente…
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Malaquias, ajudado pelos outros, fizera o seguinte:
Os ponteiros do relógio, quando chegava a hora da saída, atrasavam… doze horas!

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(*) Capítulo 23 do livro infanto-juvenil Clube dos Inventores, escrito para o programa Internet nas Escolas; o cartoon é de Paulo Buchinho. Mais tarde, uma primeira parte foi publicada pela Plátano. A versão completa pode ser lida, em formato PDF, [aqui].
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O curioso é que esta história é inspirada num facto absolutamente verdadeiro, ocorrido numa empresa nacional - líder de mercado em tecnologias de ponta! - onde o autor trabalhou durante muitos anos: os Serviços de Pessoal e de Informática nunca conseguiram programar correctamente o relógio de ponto electrónico, pelo que, quando os trabalhadores pediam o saldo das horas, recebiam invariavelmente a indicação de que estavam em dívida para com o patronato!
Apesar da chacota ser geral e quotidiana, o problema, que se saiba, nunca foi resolvido - por desleixo, por incompetência, ou porque os chefes não picavam o ponto...
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Este post é uma extensão do que está afixado no Sorumbático - ver [aqui].