terça-feira, 28 de outubro de 2008

Quanto maior, melhor

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Por Nuno Crato
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JÁ PENSOU COMO SERIA O MUNDO se os seres humanos tivessem o dobro da altura? Poderia pensar-se que nada de especial aconteceria, pois tudo seria construído nessa proporção. Mas isso não é verdade. Não há forma de o nosso corpo aumentar uniformemente. Se a nossa altura fosse multiplicada por dois e o mesmo acontecesse com a largura, a cintura e outras medidas tiradas com fita métrica, a superfície da nossa pele teria de aumentar quatro vezes e o nosso volume oito. Com o nosso volume multiplicado por oito, o mesmo aconteceria ao nosso peso. Então, para os ossos terem a resistência necessária, que é função da área do seu corte transversal, teriam de ser proporcionalmente mais grossos e pesados. Não há maneira de tudo aumentar na mesma proporção. O factor multiplicativo que é aplicado no comprimento aparece ao quadrado para a área e ao cubo para o volume. O expoente é dois para a área e três para o volume.
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Um dos primeiros a perceberem estes factos foi Galileo Galilei. O sábio italiano notou que os animais mais pequenos têm uma estrutura óssea proporcionalmente mais leve. Sabe-se, por exemplo, que os ossos de um gato são aproximadamente 7% do seu peso, os de uma pessoa 8,5%, os de um cavalo 10% e os de um elefante 13%. O peso dos ossos aumenta mais que proporcionalmente com o peso do animal.

Já no século XX, o suíço-americano Max Kleiber estudou vários outros aspectos da fisiologia animal notando, por exemplo, que o metabolismo dos animais cresce menos que a sua massa, com um expoente de 0,75 desta última variável. Como resultado, um elefante com 5 toneladas tem uma taxa metabólica cerca de 5,6 vezes a de um cavalo com meia tonelada. Ou seja, apesar de ter dez vezes o peso do equídeo, gasta apenas 5,6 vezes a energia que este último despende.

O mesmo tipo de análise tem sido recentemente aplicado às sociedades humanas. Uma nova geração de investigadores inspirados na teoria matemática dos grafos e no estudo físico das redes tenta analisar a maneira como algumas coisas mudam com a dimensão das sociedades e com as interacções entre os seus elementos.

Há equipamentos que ganham economias de escala com a dimensão dos aglomerados humanos. É o caso do número de estações de gasolina, que cresce menos que proporcionalmente com o tamanho das cidades (expoente de 0,77). É também o caso do comprimento total de cabos eléctricos (0,87) e da superfície das estradas e ruas (0,83). Tudo isto se percebe, pois esses equipamentos passam a ser usados de forma mais eficaz.

Mas há outros elementos que crescem numa escala superior. Muito recentemente, Luís Bettencourt, um físico português actualmente em Los Alamos, nos Estados Unidos, e os seus colegas, verificaram que as grandes cidades são os maiores geradores de investigação e de invenções com sucesso. O número de patentes e de inventores cresce com o tamanho dos agregados humanos de uma maneira mais que proporcional, com um expoente de cerca de 1,25.
Na semana passada, Samuel Arbesman, um físico de Harvard, e dois colegas seus de Cornell publicaram um modelo matemático de rede que permite explicar este fenómeno. Imaginam as pessoas como nós de uma rede e a produtividade de cada pessoa como função das conexões com outras, do número de pessoas a dada distância e de uma produtividade média por conexão. Com este simples modelo e com alguns pressupostos muito básicos mostram que em redes maiores, correspondentes a cidades maiores, as conexões entre pessoas mais afastadas, que são as mais produtivas em termos criativos, são mais prováveis. Para a investigação e o desenvolvimento, parece que quanto maior melhor.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 25 de Outubro de 2008 (adapt.)
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Este texto é uma extensão do publicado no Sorumbático [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.