segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

As escolas e os números

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Por Nuno Crato

NA ÚLTIMA SEMANA assistiu-se em Lisboa a uma série de encontros sobre educação que tinham uma singularidade: quantificavam os problemas. Pode ser estranho que esse facto seja sublinhado. Mas os debates, as análises e as reflexões sobre educação são frequentemente tão manchados pelo facciosismo e pela ideologia, e têm sido tão descritivos e especulativos, que usar números para analisar o ensino é, infelizmente, uma raridade que merece ser destacada.

Eric Hanushek, um dos fundadores da Economia da Educação, uma nova disciplina que usa os métodos da análise económica e as técnicas da estatística para estudar os problemas educativos, teve oportunidade para apresentar os seus trabalhos sobre o impacto da educação no desenvolvimento económico mostrando, em particular, que as estatísticas dos diversos países não evidenciam que exista impacto do número de anos de escolaridade sobre o desenvolvimento económico. O que condiciona o desenvolvimento é, isso sim, a qualidade das aprendizagens, medida pelas comparações internacionais, e da forma que é possível, com estudos como os do PISA. Como teve oportunidade de dizer, «se os aluno se sentarem mais tempo nas aulas sem nada aprenderem, isso não tem qualquer efeito na evolução de um país». Parece óbvio. É um «no-brainer», como dizem os americanos, algo que não precisa de grande esforço para compreender. Mas é algo que, para ser evidenciado com base nos dados, precisa de instrumentos estatísticos que separem as variáveis e evidenciem a correlação existente entre a qualidade da aprendizagem e o desenvolvimento.

Os estudos de Hanushek e de outros economistas dão-nos ideia da magnitude da importância da educação, mas não explicam como pode o ensino melhorar. Outros, como o estatístico William Schmidt, que também esteve em Lisboa pretendem entrar dentro dessa «caixa preta», isto é, ver o mecanismo educativo e investigar o que funciona e o que não funciona.

Uma das conclusões quase unânimes destes estudos quantitativos é a importância da escola e o papel que ela pode desempenhar, para além das condicionantes sociais, para melhorar o ensino. Ao contrário de uma visão fatalista, que imagina que contrariar as limitações dos filhos das classes mais desfavorecidas é uma violentação da sua cultura própria e que pensa que ser-se exigente com todos condena os menos favorecidos ao fracasso, vários estudos apresentados no fim de semana passado num encontro no ISEG mostram que as escolas que são mais exigentes são, pelo contrário, as que mais favorecem os oriundos de classes mais desfavorecidas. Outros estudos europeus apresentados no mesmo encontro desmontaram outro mito, o da impossibilidade de tratar com igual exigência os filhos dos nacionais e os filhos dos emigrantes.

O citado William Schmidt destacou dois factores que condicionam a qualidade do ensino: o currículo e a qualidade dos professores. Um currículo deve ser coerente, progredir de forma sistemática e não ao sabor de problemas, actividades exploratórias ou aplicações — é o que conclui de um estudo estatístico sobre as características dos currículos escolares dos países com mais sucesso. E os professores devem ser seleccionados sobretudo com base no seu conhecimento das matérias que ensinam e não dos seus estudos de pedagogia — é outra conclusão que retira da mesma comparação internacional. Vale a pena ouvir o que nos dizem os dados.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 15 Jan 11