Por Pedro Barroso
O POVO falou ontem e
explicou bem que, apesar de não lhe apetecer muito, lá foi aparecendo e dizendo
que quer outra coisa.
Claro que o braço fiscal da Merkl tinha de sofrer as
consequências e Seguro estava sempre seguro disso. Ganharia sempre. Era claro
que sim. Portas, o rei da ubiquidade, conseguiu perder e ganhar ao mesmo tempo.
O Governo afunda-se mas já mostrou não ter vergonha na cara; já nada espero
destes senhores, para não lhes chamar garotos.
Agora há um problema que
me merece uma análise especial.
O António, a Pipas e o
Bernardo estão tristes. O BE desapareceu.
Ocupados como estavam com
as respectivas questões maiores de suas vidas, foram acreditando que tal força
lhes acabaria por resolver os diferendos entre as coisas do quotidiano e a política, numa intervenção sagaz, mas sonhadora, pratica mas flexível,
socialista mas com estilo próprio.
Tão distraídos andaram,
que nem se deram conta que já saíram devagar os homens inteligentes que
fundaram tal ideia e a tornaram eventualmente em tempos, uma lufada de ar
fresco na política, incisiva e argumentativa, sabedora e autorizada, diferente.
Vejamos. António militava
no sector ecológico e absorvia-se diariamente com os urgentes problemas dos
linces da Malcata e de Silves. Ultimamente entrara em empenhado mestrado sobre
o stress traumático das gaivotas
ribeirinhas, após verificar os numerosos atropelamentos das graciosas aves no
Terreiro do Paço e Cais Sodré.
A Pipas era uma militante
de primeira hora. A causa feminista preenchia todo o espectro da sua actividade
cívica e não só. A privada também. Embora puxe a barba nos braços e na cara com
navalha, para aumentar a pilosidade, usa corte de cabelo à homem, curto; fala
com palavrões e profere insultos ao volante. A sua feminilidade equivale à do
senhor Lopes do talho e foi uma lutadora desde sempre pelo casamento lésbico,
pena até agora não se ter ainda fixado o suficiente numa parceira para que isso
lhe pudesse acontecer.
O Bernardo é um ser
vocacionado para a arte e a performance.
São conhecidas as suas obras de plástico ornamental, bem com os concertos para
almofariz e tuba, muito aplaudidos por todos os amigos reunidos na sala, em número
de dezassete, um dia, em Braço de Prata.
O Morais, ex militante da
UDP, em tempos que já lá vão, anda furioso, pois isto só lá ia mas era à
cacetada; e olhando à sua volta não vê pessoal que queira andar à porrada nas
ruas impondo a evidente razão das suas perspectivas.
O Antunes apela ao bom
senso dos camaradas no sentido de uma esquerda organizada evoluída e sensível,
que saberá sempre fazer a diferença dos grosseiros e cristalizados comunistas,
e terá sempre espaço político - excepto se não tiver e se devorar a si mesma.
Rosalina, militante
distraída durante o Verão, ajuda na limpeza das praias, mas continua a
acreditar que o que é urgente mesmo para o país é dar águas limpas à truta do
rio Ave e combater a poluição no Sousa, pois só assim as pessoas poderão
encontrar emprego na região.
Já o Ricardo,
sindicalista, acha que não, e que é preciso primeiro empregar as pessoas e
depois, sim, ir limpar os rios e puta que pariu os efluentes e a Rosalina.
Resultado: os militantes
BE estão tristes, derrotados, impotentes e não se entendem. Habituados a causas
delicadas e sensíveis, coisas evoluídas e de bom gosto, acontece que a troika trouxe-nos problemas grossos - um
Estado que rouba, reformados que são assaltados, impostos cruéis, um Governo
desgovernado e mentiroso. E a coisa não se remedeia com a aprovação da adopção
para o casamento gay, nem com a reconstrução da linha do Tua.
Habituados a bordar, agora
é preciso rasgar, romper. Habituados a apanhar folhas, agora é preciso cavar.
Política agora, por assim dizer, tem de fazer-se de tractor. E para tal propósito que haverá melhor que o velho,
absolutamente inefável, mas sempre confiável Partido Comunista Português, com
seus valores tipo Condado portucalense, foice e martelo, avante camaradas,
internacional e tudo isso, caramba? Um luxo! Viu-se ontem; meio Portugal
vermelho, ao bom estilo 25/4. Ora bem.
Quanto a mim os dirigentes
nacionais do BE não souberam explicar-nos afinal, na prática, qual a diferença,
no verbo e no voto com o PCP. Não quiseram – ou quiseram mas não souberam…- construir
a Grande Esquerda Unida que sonhara Louçã. Mantiveram uma direcção bífida e
mista, suponho que mais para respeitar a paridade sexual que outra coisa.
Mantiveram o pensamento em bloco -
infeliz e vaga expressão para tão dispersa e afastada gente. Não souberam
entender nem facturar, apoiando as candidaturas independentes - aos milhares -
que por toda a parte surgiram pelo país.
Essas foram, aliás, as
grandes vencedoras de ontem. Essas sim, de gente livre que não deve nada a
ninguém e se desiludiu há muito, por não ver saídas nem rotas de alcançar que
não seja irmos, agarrarmos no Futuro e fazê-lo por nossas próprias mãos, com os
erros possíveis e as glórias possíveis, mas num acto de desespero e esperança
ao mesmo tempo.
A responsabilidade está em
nós.
Os partidos estão falidos.
De ridículo, de ideias e de credibilidade.
Houvesse candidaturas
livres a deputados nas Legislativas e veríamos a hecatombe…