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Por J. L. Saldanha Sanches
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ERA UM PEQUENO BANCO PORTUGUÊS, surgido do nada e cheio de gente vinda da política. Com especulação imobiliária, lavagem de dinheiro e traficâncias várias conseguiu singrar.
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Ninguém percebia como. Os auditores fugiram horrorizados e explicaram porquê mas como não metia futebol ninguém ligou. Depois veio a crise, o banco ficou à beira do colapso, parecia que ia ter de ser salvo com os dinheiros do contribuinte, mas talvez pela sua pequena dimensão arranjou quem o comprasse.
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A nova administração passou as contas a pente fino, elaborou volumosos dossiers com provas circunstanciadas dos desfalques. O Banco de Portugal e a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários enviaram para tribunal caixotes e caixotes de prova. Tarde, mas enviaram.
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O país ficou à espera do resultado.
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O juiz não gostou do que viu. Preferia julgar vadios por assaltos à mão armada. A prova era abundante, mas não tão simples como o assassínio na esquadra de Faro. E mesmo esse caso...
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Para mais, tudo se passava num banco e o juiz não gostava de bancos. Tudo o quanto sabia sobre bancos é que lhe tinham aumentado os juros do empréstimo da sua casa e ninguém o convencia que culpa não era exclusivamente deles. Isso dos bancos, achava o juiz, eram uma cambada de ladrões.
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Lá num recanto nevoento da sua cabeça havia uns vagos ecos de teorias de quando a banca era essencial numa economia de mercado, que a subida dos juros era uma decisão do Banco Central Europeu, mas eram ecos muito longínquos. As pessoas com quem falava diziam todas que os bancos eram uns ladrões.
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Por isso, mesmo quando lhe explicavam minuciosamente como é que o financiamento do banco a uma sociedade off-shore tinha ido directamente para o bolso do arguido ficava com dúvidas. E o que era isso de uma sociedade off-shore? Para mais, os advogados do banqueiro decaído explicavam doutamente que não era nada assim e conseguiam sustentar a sua tese com documentos muito bem elaborados.
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E pensava o juiz, o que lhe iria suceder, se navegando sem mapa nem bússola naqueles milhares de páginas cheias de contratos abstrusos, cometesse um qualquer erro que levasse à anulação do julgamento e à absolvição futura do arguido? E se o banqueiro vítima indefesa da justiça portuguesa que lhe tinha manchado a reputação (qual reputação?) o obrigasse a passar o resto da vida a pagar uma indemnização?
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E depois? Iam ser aqueles senhores (também banqueiros) que lhe tinham explicado em julgamento como aquele tipo de manejos destruía a economia que iriam pagar a indemnização?
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Não. Tinha dúvidas. In dubio, pro reo. Absolveu-o: ao menos aquele não fazia reféns quando assaltava (por dentro) o banco.
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Os jornais falaram disso por uns tempos mas depois esqueceram-se e o juiz prosseguiu tranquilamente a sua brilhante carreira sempre com a classificação de “muito bom”
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Portugal, país da impunidade? De modo nenhum.
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O banqueiro decaído moveu uma acção por denúncia caluniosa contra o Governador do Banco de Portugal e o Presidente da Comissão do Mercado dos Valores mobiliários. Prova? Tinha sido absolvido.
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Mais afoito que o juiz do crime o juiz cível dá-lhe razão. O processo contra ele tinha sido uma monstruosidade e tinha causado danos irreversíveis na sua reputação (qual reputação?).
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Por J. L. Saldanha Sanches
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ERA UM PEQUENO BANCO PORTUGUÊS, surgido do nada e cheio de gente vinda da política. Com especulação imobiliária, lavagem de dinheiro e traficâncias várias conseguiu singrar.
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Ninguém percebia como. Os auditores fugiram horrorizados e explicaram porquê mas como não metia futebol ninguém ligou. Depois veio a crise, o banco ficou à beira do colapso, parecia que ia ter de ser salvo com os dinheiros do contribuinte, mas talvez pela sua pequena dimensão arranjou quem o comprasse.
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A nova administração passou as contas a pente fino, elaborou volumosos dossiers com provas circunstanciadas dos desfalques. O Banco de Portugal e a Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários enviaram para tribunal caixotes e caixotes de prova. Tarde, mas enviaram.
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O país ficou à espera do resultado.
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O juiz não gostou do que viu. Preferia julgar vadios por assaltos à mão armada. A prova era abundante, mas não tão simples como o assassínio na esquadra de Faro. E mesmo esse caso...
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Para mais, tudo se passava num banco e o juiz não gostava de bancos. Tudo o quanto sabia sobre bancos é que lhe tinham aumentado os juros do empréstimo da sua casa e ninguém o convencia que culpa não era exclusivamente deles. Isso dos bancos, achava o juiz, eram uma cambada de ladrões.
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Lá num recanto nevoento da sua cabeça havia uns vagos ecos de teorias de quando a banca era essencial numa economia de mercado, que a subida dos juros era uma decisão do Banco Central Europeu, mas eram ecos muito longínquos. As pessoas com quem falava diziam todas que os bancos eram uns ladrões.
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Por isso, mesmo quando lhe explicavam minuciosamente como é que o financiamento do banco a uma sociedade off-shore tinha ido directamente para o bolso do arguido ficava com dúvidas. E o que era isso de uma sociedade off-shore? Para mais, os advogados do banqueiro decaído explicavam doutamente que não era nada assim e conseguiam sustentar a sua tese com documentos muito bem elaborados.
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E pensava o juiz, o que lhe iria suceder, se navegando sem mapa nem bússola naqueles milhares de páginas cheias de contratos abstrusos, cometesse um qualquer erro que levasse à anulação do julgamento e à absolvição futura do arguido? E se o banqueiro vítima indefesa da justiça portuguesa que lhe tinha manchado a reputação (qual reputação?) o obrigasse a passar o resto da vida a pagar uma indemnização?
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E depois? Iam ser aqueles senhores (também banqueiros) que lhe tinham explicado em julgamento como aquele tipo de manejos destruía a economia que iriam pagar a indemnização?
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Não. Tinha dúvidas. In dubio, pro reo. Absolveu-o: ao menos aquele não fazia reféns quando assaltava (por dentro) o banco.
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Os jornais falaram disso por uns tempos mas depois esqueceram-se e o juiz prosseguiu tranquilamente a sua brilhante carreira sempre com a classificação de “muito bom”
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Portugal, país da impunidade? De modo nenhum.
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O banqueiro decaído moveu uma acção por denúncia caluniosa contra o Governador do Banco de Portugal e o Presidente da Comissão do Mercado dos Valores mobiliários. Prova? Tinha sido absolvido.
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Mais afoito que o juiz do crime o juiz cível dá-lhe razão. O processo contra ele tinha sido uma monstruosidade e tinha causado danos irreversíveis na sua reputação (qual reputação?).
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Um final feliz. O banqueiro refez a virgindade perdida e foi indemnizado. O Governador do BdP e da CMVM pagaram chorudas indemnizações. O Ministro da Justiça assistiu a tudo embevecido: cumpria-se a Constituição.
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NOTA: Este post é uma extensão do que está afixado no Sorumbático [v. aqui], onde os eventuais comentários deverão ser afixados.