Por Nuno Crato
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AINDA AQUI ESTAMOS? Sim, eu pelo menos ainda aqui estou... ou estava, quando acabei de escrever este artigo. E se o leitor o está a ler é porque ainda aqui está, neste nosso mundo, apesar dos avisos catastróficos dos que diziam que o LHC iria criar um buraco negro que engoliria a Terra e todo o sistema solar.
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De onde surgem estes medos? Por que razão sempre que a ciência avança há quem queira fazer-nos retroceder às superstições dos tempos das cavernas?
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Quem menos ajuda a compreender o fenómeno têm sido algumas corrente antropológicas e sociológicas que identificam conhecimento e superstição — seriam tudo crenças impossíveis de provar de forma absoluta — e chegam a dizer que a ciência é uma construção social como outra qualquer, portanto entre crendice e conhecimento científico haveria apenas uma distinção de grau, se é que existiria alguma.
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O LHC está de pé para provar a diferença. A superstição jamais conseguiria construir um aparelho tão perfeito, tão bem pensado e com tanto sucesso. A ciência constrói modelos teóricos e testa-o com os factos. Usa a razão e a dúvida sistemática. Confronta as previsões teóricas com as observações. Usa a experimentação e submete-a à análise estatística. Constrói.
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Nos últimos anos, quem mais tem contribuído para perceber as origens da crendice têm sido os biólogos e teóricos evolucionistas. A capacidade humana para a associação espúria entre causa e efeito teria tido, afirmam, um papel positivo na sobrevivência da espécie humana. Ou seja, a crendice ter-nos-ia ajudado a sobreviver.
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Um leve restolhar de folhas, para dar um exemplo muito discutido nos estudos evolucionistas, seria o suficiente para fazer a horda primitiva levantar-se e fugir. Poderia ser um leão a aproximar-se, poderia também ser apenas o vento, mas o melhor seria tomar precauções. Os humanos desenvolveram uma capacidade de associação entre factos provavelmente desconexos que originou as crenças supersticiosas.
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Esta semana, os evolucionistas Kevin Foster a Hanna Kokko publicaram um modelo matemático que explica as condições de sucesso da associação espúria (DOI: 10.1098/rspb.2008.0981). Esse modelo adapta um argumento original do filósofo Blaise Pascal que, nos seus Pensamentos (1670), dizia ser melhor acreditar em Deus, pois poucas desvantagens haveria se Ele não existisse enquanto o benefício da fé seria imenso. O argumento ficou conhecido como a «aposta de Pascal», e tem sido muito criticado em termos teológicos e filosóficos, mas oferece uma das primeiras formulações daquilo que veio a ser conhecido com a teoria matemática dos jogos. Foster e Koko constróem uma matriz de percas e ganhos semelhantes à da aposta de Pascal e estudam as condições em que as associações irracionais trouxeram vantagens à espécie humana.
Uma conclusão, no entanto, é clara. A civilização e a ciência ultrapassam pouco a pouco a associação espúria. Onde há dados científicos não há vantagens em regressar aos buracos negros da crendice.
Uma conclusão, no entanto, é clara. A civilização e a ciência ultrapassam pouco a pouco a associação espúria. Onde há dados científicos não há vantagens em regressar aos buracos negros da crendice.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 13 de Setembro de 2008 (adapt.)
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NOTA: Este post é apenas uma extensão do existente no Sorumbático [v. aqui], blogue onde os eventuais comentários deverão ser afixados.
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