segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Senhoras Donas, por favor!


Por Alice Vieira

CADA PAÍS (CADA LÍNGUA, CADA CULTURA) tem a sua maneira específica de se dirigir às pessoas. Mal passamos Vilar Formoso, logo toda a gente se trata por tu, que os espanhóis não são de etiquetas nem de salamaleques.
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Mas nós não somos espanhóis.
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Também não somos mexicanos, que se tratam por “Licenciado” Fulano.
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Nem alinhamos com os brasileiros, para quem toda a gente é “Doutor”, seguido do nome próprio: Doutor Pedro, Doutor António, Doutor Wanderlei, etc.
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Por cá, Doutor é seguido de apelido, e as mulheres, depois de passarem por aqueles brevíssimos segundos em que são tratadas por “Menina”, passam de imediato - sejam casadas, solteiras, viúvas ou amigadas, sejam velhas ou novas, gordas ou magras, feias ou bonitas, ricas ou pobres – à categoria de “Senhora Dona”.
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Mas parece que uns estranhos ventos sopraram pelas cabeças das gerações mais novas que fizeram o “dona” ir pelos ares ou ficar no tinteiro.
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Quando recebo daqueles telefonemas que me querem impingir tudo o que se inventou à face da terra - desde “produtos” bancários que me garantem vida farta, até prémios que supostamente ganhei por coisas a que nunca concorri — sou logo tratada por “Senhora Alice.” Respondo sempre: “trate-me por tu, se quiser; ou só pelo meu nome, se lhe apetecer; mas nunca por Senhora Alice”.
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Mas o cérebro destes pobrezinhos não foi formatado para encontrar resposta a estas coisas, e exclamam logo: “ah, então não é a Senhora Alice que está ao telefone!”
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Eu sei que isto não é uma coisa importante, mas que é que querem, irrita-me quando oiço este tratamento dado às mulheres.
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Tal como me irrita quando vejo/oiço um jornalista tratar por você alguém com o dobro da idade dele.
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É uma questão de delicadeza. De respeito. E de saber falar português. Três coisas — admito — completamente fora de moda.
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Pois qual não é o meu espanto quando, aqui há dias, na televisão, oiço o Senhor Primeiro Ministro referir-se assim à mulher (também odeio a palavra “esposa”…) do Comendador Manuel Violas. “A Senhora Celeste…” (não sei se é este o nome da senhora, mas adiante).
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Fico parva. Nos cursos todos que tirou, ninguém lhe ensinou que as senhoras são todas “Senhoras Donas”?
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Parafraseando livremente o nosso Augusto Gil, “que quem trabalha num call-center nos faça sofrer tormentos… enfim!/ Mas o Primeiro Ministro, Senhor? Porque nos dás esta dor? Porque padecemos assim?”
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«JN» de 28 de Setembro de 2008
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NOTA: Este post é uma extensão do que está afixado no Sorumbático [v. aqui], onde os eventuais comentários deverão ser afixados.