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Por Alice Vieira
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NEUZA TEM 23 ANOS, nasceu em Brasília, onde vive com um namorado português, meu amigo, que lhe prometeu mostrar a pátria assim que pudesse.
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Caíram-me há dias no colo.
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Traziam no corpo mais de dois mil quilómetros em estradas portuguesas, e agora ela queria conhecer Lisboa.
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“Tenho um almoço de negócios”, disse-me ele ao telefone, “podes tratar dela esta tarde?”
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Nunca fui grande cicerone, ainda por cima agora, que um vírus qualquer anda a fazer-me a vida negra, provocando-me tantas dores no corpo e um tal cansaço que parece que passo dias inteiros na estiva.
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Mas não podia dizer que não, e lá fui apanhar a Neuza à esplanada da Brasileira – completamente fascinada pelas pessoas, pelo bacalhau, pelos pastéis de nata, pelos ovos moles, pelos palácios, pelas caves de vinho do Porto.
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Desde que o avião aterrara, não tinham tido um minuto de descanso, cumprindo à risca o itinerário traçado em Brasília.
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E a Neuza falava, emocionada, do centro histórico de Guimarães, dos cais de Gaia, da capela dos ossos de Évora, da subida ao Palácio da Pena, de Trancoso, de Cabanas de Viriato, etc.
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Para não deixar Lisboa malvista, arranco com ela pelo Chiado, levo-a a almoçar num desses restaurantes muito zen que abundam agora na Baixa, paro no Largo do Carmo onde lhe conto a história (acho que vai chegar ao Brasil confundindo o Condestável, o Marquês de Pombal e Salgueiro Maia…) e dou-me conta de que tenho nas mãos uma brasileira de 23 anos que sabe tanto da história recente de Portugal como um português de 23 anos sabe da história recente do Brasil, perguntando, espantada, “fizeram uma revolução?! E porquê? O governo era corrupto?”. (Para uma brasileira de 23 anos, o único motivo para fazer revoluções é a corrupção).
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A Neuza emociona-se com o rio em Santa Catarina, abre a boca de espanto com o tecto arte nova do restaurante, sente-se no paraíso diante das montras das grandes marcas, parece uma criança à janela do 28.
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A Neuza é uma turista perfeita e, para turistas perfeitos, Portugal é um país perfeito.
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E eu tenho pena de não ser capaz de olhar para o país com a ingenuidade dos olhos dela, e de me emocionar assim – sem pensar no desgoverno que vai por aí.
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Se o país fosse aquilo que a Neuza vai levar nos olhos para o Brasil, como nós seríamos felizes!
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A um país assim, tenho a certeza de que até o meu vírus acabaria por se render.
«JN» de 14 de Setembro de 2008
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Caíram-me há dias no colo.
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Traziam no corpo mais de dois mil quilómetros em estradas portuguesas, e agora ela queria conhecer Lisboa.
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“Tenho um almoço de negócios”, disse-me ele ao telefone, “podes tratar dela esta tarde?”
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Nunca fui grande cicerone, ainda por cima agora, que um vírus qualquer anda a fazer-me a vida negra, provocando-me tantas dores no corpo e um tal cansaço que parece que passo dias inteiros na estiva.
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Mas não podia dizer que não, e lá fui apanhar a Neuza à esplanada da Brasileira – completamente fascinada pelas pessoas, pelo bacalhau, pelos pastéis de nata, pelos ovos moles, pelos palácios, pelas caves de vinho do Porto.
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Desde que o avião aterrara, não tinham tido um minuto de descanso, cumprindo à risca o itinerário traçado em Brasília.
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E a Neuza falava, emocionada, do centro histórico de Guimarães, dos cais de Gaia, da capela dos ossos de Évora, da subida ao Palácio da Pena, de Trancoso, de Cabanas de Viriato, etc.
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Para não deixar Lisboa malvista, arranco com ela pelo Chiado, levo-a a almoçar num desses restaurantes muito zen que abundam agora na Baixa, paro no Largo do Carmo onde lhe conto a história (acho que vai chegar ao Brasil confundindo o Condestável, o Marquês de Pombal e Salgueiro Maia…) e dou-me conta de que tenho nas mãos uma brasileira de 23 anos que sabe tanto da história recente de Portugal como um português de 23 anos sabe da história recente do Brasil, perguntando, espantada, “fizeram uma revolução?! E porquê? O governo era corrupto?”. (Para uma brasileira de 23 anos, o único motivo para fazer revoluções é a corrupção).
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A Neuza emociona-se com o rio em Santa Catarina, abre a boca de espanto com o tecto arte nova do restaurante, sente-se no paraíso diante das montras das grandes marcas, parece uma criança à janela do 28.
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A Neuza é uma turista perfeita e, para turistas perfeitos, Portugal é um país perfeito.
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E eu tenho pena de não ser capaz de olhar para o país com a ingenuidade dos olhos dela, e de me emocionar assim – sem pensar no desgoverno que vai por aí.
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Se o país fosse aquilo que a Neuza vai levar nos olhos para o Brasil, como nós seríamos felizes!
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A um país assim, tenho a certeza de que até o meu vírus acabaria por se render.
«JN» de 14 de Setembro de 2008
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NOTA: Este post é uma extensão do existente no Sorumbático [v. aqui], onde os eventuais comentários deverão ser afixados.