sábado, 26 de setembro de 2009

Em dia de reflexão

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Por Alice Vieira

PARA QUEM AGORA me está a ler, hoje é sábado, dia 26 de Setembro, e o país está em período reflexivo porque amanhã vai a votos.

Mas eu estou a escrever nove dias antes do domingo das eleições.

Eleições que espero (como espero sempre…) que sejam muito participadas, com grandes filas nas assembleias de voto, com as pessoas todas motivadas a deitar nas urnas a expressão da sua vontade, seja ela qual for, incluindo a de fazer um grande risco no boletim, a liberdade também é isso.

Só não percebo muito bem a “liberdade de não votar”.

Talvez porque vivi muitos anos sem poder livremente votar em quem muito bem entendesse, não percebo como se pode desperdiçar um bem pelo qual tanta gente lutou tanto.
Tenho realmente dificuldade em aceitar os que viram a cara e dizem “não tenho nada a ver com isso, estou de costas”. Sobretudo — e isso cada vez é mais frequente — quando se trata de gente nova.

Os tempos são outros, dizem.

Talvez.

Mas eu ainda acho que é sobretudo uma grande falta de comunicação.

A gente mais nova está cada vez mais habituada a que lhes falem diversas línguas: o gramatiquês, o futebolês, o politiquês, tudo meio cabalístico e sem comunicação com o exterior. Basta ver o enunciado de um teste, um relato de futebol, um encontro de um político com o eleitorado jovem — para se reconhecer estas linguagens.

Falta, portanto, que alguém se lembre, um dia, de lhes falar português.

Alguém que se chegue junto deles e não rodeie o discurso de metáforas, ou de inglês-técnico, ou do vazio mascarado com palavras que até o Moraes (ou o Houaiss, para ser mais moderno) se veria aflito para descodificar.

Alguém que tenha a coragem de lhes dizer “a culpa também é vossa”, tal qual fez o presidente Obama, numa escola dos Estados Unidos, num discurso que circula pela net.

Ele não está com paninhos quentes e diz-lhes mais ou menos isto: eu já falei da responsabilidade dos vossos pais, da responsabilidade dos vossos professores, da responsabilidade dos vossos governantes. Agora é tempo de falar da vossa. Porque se vocês faltarem ás aulas, se não ouvirem nada do que se diz na sala, se estiverem sempre desinteressados, se passarem o tempo todo agarrado à consola, se não se esforçarem por descobrir aquilo para que têm jeito — e toda a gente tem jeito para qualquer coisa.—tudo o mais não serve de nada, e o país não anda.

É um discurso não muito longo, que era bom que circulasse nas nossas escolas, e fosse lido e discutido com os alunos — para que eles sentissem o mal que todo o facilitismo tem feito ao longo destes tempos.

E sobretudo para que sentissem o peso de uma palavra que raramente utilizam com eles, mas da qual tudo depende: a palavra responsabilidade.

«JN» de 26 de Setembro de 2009