Por Baptista Bastos
Quando se diz que na Madeira não há 'asfixia democrática', está em jogo algo de mais relevante do que uma frase suplementar.
A DR.ª MANUELA FERREIRA Leite foi à Madeira e regressou inundada de felicidade. Segundo o seu intenso regozijo, na ilha "não há asfixia democrática." Não sou especialista em falta de ar, mas a declaração da nobre senhora bastava, acaso fosse o infausto caso, para eu fugir, arquejante, do voto no PSD. Confesso aos meus dilectos que já sofri a asma de dez anos de cavaquismo; e a respiração opressa em que viveu a imprensa, aliada ao fechamento de inúmeros títulos, é uma história por contar.
Sabem-na os jornalistas com memória, aqueles que foram removidos através das cínicas "rescisões amigáveis de contrato", e os que nunca mais foram aceitos nas redacções, sob a alegação de terem "mau feitio" ou de serem "muito de Esquerda." E eram algumas das grandes assinaturas dos jornais.
É verdade que houve quem renegasse os testamentos sagrados. Ao contrário da lenda, Roma paga a traidores. Generosamente, jornais, rádios e a RTP abriram-lhes os braços. Os moralistas da profissão ficaram calados como ratos. Reaparecem sempre que surge um berbicacho: dizem umas inflamadas banalidades sobre liberdade de expressão e recebem medalhas no 10 de Junho.
Como devem calcular, sei muito bem do que falo. E o nojo que me invade, nestas situações, não esmorece com a idade. Pelo contrário: sou um casmurro que bate o pé. É sabido que não trago o retrato de Sócrates junto do coração. Tenho-me servido do sarrafo, escandalizado com as suas políticas crudelíssimas, tristes e insensíveis que deram cabo de algumas esperanças acalentadas. A lista das minhas indignações é grande. Mas nunca senti "asfixia democrática"; nunca houve recoveiros a sussurrarem--me recados ou ameaças. Ao contrário do que me aconteceu no tempo do dr. Cavaco: fui proibido de escrever "artigos políticos" por uma parelha de medíocres que trepara à direcção do Diário Popular, jornal fundado pelo meu pai, no qual eu começara a escrever, com catorze anos, e onde trabalhei durante vinte e três.
A mesa autoritária conheço-a de cor. Quando a dr.ª Manuela Ferreira Leite, onzenada pelo seu Rasputine ex-maoísta, procede à elaboração da realidade como evidência, preocupo-me com essa fumigação perigosa, que pode enganar e submeter os que são propensos ao engano e à submissão. Vivemos numa época em que o que se diz ser é o que conta. Mas precisamos de enfrentar esse ardil e resistir à falácia. Empreender um esforço de compreensão, a fim de percebermos o que é importante para a comunidade, entendida esta como "mundo comum."
Quando se diz que na Madeira não há "asfixia democrática" , está em jogo algo de mais relevante do que uma frase suplementar.
«DN» de 9 de Setembro de 2009