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Por Baptista-Bastos
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E AGORA, QUE VOU FAZER? Ando vazio, a caminhar no interior de dias vazios. Há duas semanas. E ainda não reuni a força necessária para dizer à minha mulher que fui um dos 180 despedidos. Mas suspeito de que ela adivinha qualquer coisa. Não será, propriamente, a situação em si que lhe desperta a desconfiança; mas algo, um pressentimento obscuro, tenaz e desconfortável começa a invadi-la. Conheço-a muito bem. Passámos muitas coisas juntos. Era uma rapariga de grandes olhos luminosos num rosto alevantado que transpirava confiança e coragem. Quando estive gravemente doente manteve-se à minha beira, vigiando-me, tomando-me o pulso, observando a febre. "Nem te atrevas a deixar-me!", exclamou, certo fim de tarde, presumindo, pelo meu aspecto, que a doença se agravara. Fui agitado por estranho solavanco. Olhei-a e ela sorriu: "Eu sabia. Eu sabia que me não deixavas!" É um pouco grotesco, lembrar-me de estas coisas; mas são estas coisas humildes e modestas que formam a consistência das pessoas. Curioso!, há quanto tempo não lhe digo que a amo, há quanto tempo? Quantas vezes lho disse? Não dá muito jeito, reconheço; mas certamente lho disse, embora em português não soe bem; em inglês talvez sim. Talvez. Como fui parar a esta rua? Acontece-me agora isto. Ando por aí à toa, um impulso irresistível e secreto leva-me a caminhar pelas ruas da cidade onde outrora só raramente ia.
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Deixa-me ver as horas. Este relógio foi-me por ela oferecido, quando fiz 45 anos, há mês e meio. Nessa altura já havia rumores, no escritório, de que as coisas não caminhavam bem, gente a mais, encomendas a menos. Nada lhe disse. Apenas boatos; no entanto, começámos a olhar uns para os outros, aquele é mais velho, quantos anos tem ele de casa?, 30, ena, pá!, e de idade?, ena pá! Sou mais novo. Mas há mais novos do que eu. E se pintasse um pouco o cabelo? As brancas dão-me um aspecto mais pesado. Apesar de tudo, tenho fé. Mas manter a fé é difícil, tendo em conta o que por aí se vê. Tenho vergonha de vaguear pela cidade. Tenho vergonha de dizer em casa que fui despedido, "dispensado temporariamente", como me informou a menina da administração, examinando-me com a pesada compaixão de quem nada sabe sobre dor e sofrimento. Tenho vergonha de ser reconhecido por algum vizinho. Tenho vergonha de nada ter para fazer. Tenho vergonha de ainda não ter a coragem de revelar à minha mulher a situação em que me encontro. Tenho vergonha de admitir que não voltarei a arranjar trabalho. Tenho vergonha de ter de me inscrever no Desemprego. Tenho vergonha de ter desejado que fossem outros os nomeados para ir para a rua.
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Tenho vergonha de ser quem sou. Tenho vergonha de ser velho.
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«DN» de 25 de Fevereiro de 2009
NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.