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Por Alice Vieira
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“ACHAS que ele é o meu destino?”
Por Alice Vieira
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“ACHAS que ele é o meu destino?”
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A carruagem do metro vai cheia e eu penso que é bom - neste tempo de desgraças diárias, de fraudes verdadeiras e inventadas a rebentarem a toda a hora – haver alguém que, numa tarde de chuva, esteja mais interessado nos desígnios dos astros do que nas chatices terrenas.
A carruagem do metro vai cheia e eu penso que é bom - neste tempo de desgraças diárias, de fraudes verdadeiras e inventadas a rebentarem a toda a hora – haver alguém que, numa tarde de chuva, esteja mais interessado nos desígnios dos astros do que nas chatices terrenas.
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“Achas que ele é o meu destino?”, repete, mas a amiga limita-se a encolher os ombros e então ela desata num discurso perfeitamente ininteligível, com números e mapas e conjunções de planetas e, com o ar sério das verdades indiscutíveis, garante à outra que nunca sabe em que tempo está, há alturas em que de repente é levada para 2034 (não sei se a data terá algum significado), e depois volta e depois recua séculos, sempre, sempre assim.
“Achas que ele é o meu destino?”, repete, mas a amiga limita-se a encolher os ombros e então ela desata num discurso perfeitamente ininteligível, com números e mapas e conjunções de planetas e, com o ar sério das verdades indiscutíveis, garante à outra que nunca sabe em que tempo está, há alturas em que de repente é levada para 2034 (não sei se a data terá algum significado), e depois volta e depois recua séculos, sempre, sempre assim.
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Mas agora o que verdadeiramente a aflige é saber se ele é ou não o seu destino. A conjunção astral diz-lhe que não, mas a dúvida persiste.
Mas agora o que verdadeiramente a aflige é saber se ele é ou não o seu destino. A conjunção astral diz-lhe que não, mas a dúvida persiste.
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A amiga não está com muita paciência para a conversa, devem interessar-lhe problemas mais corriqueiros, se calhar a perspectiva de desemprego, se calhar a renda atrasada, enfim, coisas comezinhas que não se podem comparar a altas dissertações astrais.
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“Porque não lhe contas?”, pergunta.
“Porque não lhe contas?”, pergunta.
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Então a outra explode, contar como, ela não pode contar a ninguém o que sente, o que se passa com ela, ela tem aquele dom, “porque isto é um dom”, repete, “ viajar pelo tempo é um dom que muito poucos têm, e se eu contasse quem é que me acreditava?, ainda diziam que eu era doida”.
Então a outra explode, contar como, ela não pode contar a ninguém o que sente, o que se passa com ela, ela tem aquele dom, “porque isto é um dom”, repete, “ viajar pelo tempo é um dom que muito poucos têm, e se eu contasse quem é que me acreditava?, ainda diziam que eu era doida”.
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A outra até estremece, “credo!”, mas ela continua, “podes crer, por isso é que eu ando aqui tão calada, mas olha, há bocado tu não deste por nada mas eu não estava aqui! tu a falares comigo e eu sem te ouvir, muito longe!, mas depois voltei, tás a ver, agora estou aqui, mas não sei até quando”.
A outra até estremece, “credo!”, mas ela continua, “podes crer, por isso é que eu ando aqui tão calada, mas olha, há bocado tu não deste por nada mas eu não estava aqui! tu a falares comigo e eu sem te ouvir, muito longe!, mas depois voltei, tás a ver, agora estou aqui, mas não sei até quando”.
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As pessoas estão todas a olhar para ela, que fala muito alto, e é claro que o segredo, que quer tão guardado, já está espalhado pela carruagem inteira, mas ela não percebe, ela continua naquela angústia, será ele o seu destino?
As pessoas estão todas a olhar para ela, que fala muito alto, e é claro que o segredo, que quer tão guardado, já está espalhado pela carruagem inteira, mas ela não percebe, ela continua naquela angústia, será ele o seu destino?
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Porque se não for, diz, então tem de fugir, “não posso partilhar com ele um dom que é só de eleitos, e ele não é eleito”.
Porque se não for, diz, então tem de fugir, “não posso partilhar com ele um dom que é só de eleitos, e ele não é eleito”.
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“Eleito por quem?”
“Eleito por quem?”
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A amiga decididamente está noutra onda, e ela irrita-se, “não percebes nada, pega mas é nos sacos, que saímos agora”.
A amiga decididamente está noutra onda, e ela irrita-se, “não percebes nada, pega mas é nos sacos, que saímos agora”.
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Os que continuam viagem olham uns para os outros com aquele ar de cumplicidade que estas coisas geram sempre.
Os que continuam viagem olham uns para os outros com aquele ar de cumplicidade que estas coisas geram sempre.
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“Anda tudo doido…”, diz então um velho.
“Anda tudo doido…”, diz então um velho.
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“O meu marido é que sabe”, murmura uma senhora ao seu lado, “ele diz que as pessoas andam assim por causa de uma coisa que há no ar e que a gente respira sem dar por isso…”
“O meu marido é que sabe”, murmura uma senhora ao seu lado, “ele diz que as pessoas andam assim por causa de uma coisa que há no ar e que a gente respira sem dar por isso…”
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“Também já ouvi falar”, diz o velhote. “ Acho que é o buraco do ozono.”
“Também já ouvi falar”, diz o velhote. “ Acho que é o buraco do ozono.”
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”Isso”, diz ela, encostando a cabeça ao vidro, e fechando os olhos.
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«JN» de 1 de Fevereiro de 2009
”Isso”, diz ela, encostando a cabeça ao vidro, e fechando os olhos.
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«JN» de 1 de Fevereiro de 2009
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