terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Eis o que me irrita em Pedro Passos Coelho

.
Por João Miguel Tavares
.
EU APRECIO A FORMA como Pedro Passos Coelho conquistou o seu espaço no PSD e na comunicação social, com um tom civilizado, um discurso articulado, uma presença aprumada e uma atitude que poderemos definir como "eu sei que vou ser líder do PSD, só não sei é quando". Há pouco mais de um ano, Passos Coelho era um sério candidato a aparecer no Perdidos & Achados da SIC. Hoje, é um sério candidato a ser o José Sócrates da direita (não é uma ofensa, juro). Ora esta ascensão-relâmpago, este súbito surgimento em manhã de nevoeiro, não é desprovida de méritos. Os meus jovens amigos de direita entusiasmam-se com a sua figura, e eu não tenho dúvidas de que a sua postura liberal faça falta à pátria, mesmo que os tempos soprem mais para o lado do Estado Todo-Poderoso e a malvada recessão tenha transformado a sua ideia de privatizar a Caixa Geral de Depósitos numa gafe incómoda.
.
No entanto, apesar das suas vastas qualidades, Pedro Passos Coelho tem andado a armar-se em sonso nas suas últimas intervenções, que é coisa que irrita um bocado. A gota de água que fez transbordar o meu copo foi a sua intervenção no final de um almoço no American Club (almoço em sua homenagem, claro), surpreendentemente acompanhada por uma série de jornalistas, onde o candidato a líder que não é candidato a líder disse: "Saber se Manuela Ferreira Leite se sente em condições anímicas para levar uma mensagem positiva ao País e catalisar a mudança é uma avaliação que só ela poderá fazer. Tenho a certeza de que o fará." Esta já é pelo menos a quarta vez que o ouço dizer isto, ipsis verbis, e eu escuto pouca rádio e não vejo assim tanta televisão. As "condições anímicas" da senhora e a "avaliação que só ela poderá fazer" começam a soar a disco riscado. Demasiado riscado.
.
O problema, claro, não é o riscado, mas a hipocrisia subjacente. Eu percebo que Pedro Passos Coelho não queira ser confundido com Luís Filipe Menezes, o que só lhe fica bem. Mas entre pedir abertamente a demissão de Ferreira Leite cada vez que ela mostra o penteado, como faz Menezes, ou insinuar sucessivamente que a senhora se devia demitir mas não sou eu que vou pedir a sua demissão, como faz Passos, acho que prefiro a clareza vinda de Gaia. É que o problema está aí: de nada vale Passos Coelho vender-se como uma alternativa séria se não for capaz de falar com seriedade. Ou entende que é Ferreira Leite quem deve enfrentar Sócrates e se cala. Ou entende que a senhora é uma tragédia e o diz com clareza. Agora, esta atitude de meter pioneses na cadeira enquanto faz cara de menino bem comportado, convenhamos, já começa a enjoar.
.
«DN» de 17 de Fevereiro de 2009
.
NOTA: Este post é uma extensão do que está publicado no Sorumbático [aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.