terça-feira, 14 de abril de 2009

Ainda o sismo

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Por Nuno Brederode Santos
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DEBALDE SE PROCURAM NOVIDADES em tudo o que mexe à nossa volta. Por mim, suspeito sempre que as manchetes engordam na razão inversa do potencial da notícia. Talvez, por isso, o número de mortos no terramoto italiano cresça de dia para dia, mas quase sempre embrulhado (ou diluído) em questões menores. Como a de Berlusconi – que nunca foi my cup of tea – ter recusado o apoio internacional. A meu ver, fê-lo com razão (que é um contratempo que acontece até aos piores). Se um país tiver meios para acudir às situações de catástrofe com uso exclusivo dos seus próprios recursos, poupa-se a uma infinidade de problemas de coordenação no terreno (até porque o zelo assistencialista estrangeiro é muitas vezes mais “marketing” para consumo próprio do que ajuda operacional efectiva).
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Claro que a justificação de que “a Itália é um país orgulhoso, um país rico” é um desastre político que se veio juntar ao desastre natural.
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Primeiro, porque é muito pouco “afluente”: só proclamam o orgulho os deprimidos, só invocam a riqueza os que a não têm. (Mas os Estados Unidos, mesmo já com Obama, tiveram de o fazer…). Segundo, porque é perigoso: nenhum país, por mais rico, pode repor satisfatoriamente a situação anterior. Nenhum bem-estar paga as mortes; e, sendo o bicho homem o que é, haverá, em breve, reivindicações materiais para compensar as perdas afectivas. Terceiro, porque é leviano: o Estado, por muito precavido que seja, não tem ainda um levantamento seguro e concreto da extensão dos danos e dos custos, materiais e sociais, que estão associados à tragédia, pelo que convém sempre não ser tão categórico e definitivo na recusa de meios alheios. Enfim, quarto, porque é quase sempre ilusório: de transigência em transigência, o Estado só vai deter-se na reparação dos danos quando tiver ultrapassado largamente a dotação de que podia dispor para o efeito.
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O que se planeia é o cruzeiro da vida, porque os picos anómalos não são planificáveis nem orçamentáveis (sob pena, aliás, de plano e orçamento deixarem de ser, com razoabilidade estatística, instrumentos úteis). É tudo isto que faz da catástrofe natural um pesadelo para os poderes do dia e uma mina de ouro para todas as oposições: os inevitáveis descontentamentos sociais serão cavalgados, a capacidade instalada de prevenção será questionada, os dispositivos de assistência contestados e os bodes expiatórios exigidos. A fuga às responsabilidades (muitas vezes, de resto, imaginárias) será a estratégia de todos os intervenientes. Governos, regiões, câmaras e juntas de freguesia trocarão entre si a batata quente das culpas, mesmo das que não existem. Porque o Criador não as assume e a população é quem vota. Só que um erro táctico, por muito que prejudique a razão estratégica que serve, não anula o seu bom fundamento. E é contra este que muitas vozes já se ouvem.
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Também por cá convém ir pensando nisto. Com três eleições sucessivas, o muro que cai sobre a casa, o buraco em que se afunda o automóvel e o lar de idosos que vem abaixo, serão, sempre e necessariamente, objecto do jogo de passa-culpas entre os vários níveis da organização administrativa do Estado ou entre diferentes etnias ou entre partidos rivais. E em escala maior, a seca, o incêndio e a cheia ainda mais severamente exigirão um culpado, porque os povos não aceitam que o Criador possa também destruir. Nós não somos melhores. Por isso, melhor será não lançar mão, para com a Itália, de critérios que aqui – espero bem que perante dramas menores – não iremos poder manter.
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Uma nota de circunstância extraída do nosso quintal: a nova investida do Presidente da Associação Nacional de Farmácias gorou-se. “Por uma questão de bom senso”, disse o próprio com a razão que lhe falhara ao lançar-se nela, dias antes, “Fez bem em recuar”, li na imprensa. Não há como um bom eufemismo para assegurar a elegância verbal. Porque, de facto, o que ele fez foi mal em ter avançado. Infelizmente, esta é só só uma escaramuça na guerra larvar em curso, na qual todos os grupos profissionais envolvidos reivindicam as vantagens, mas enjeitam as responsabilidades.
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«DN» de 12 de Abril de 2009