terça-feira, 28 de abril de 2009

O homem útil e o génio

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Por Nuno Crato
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QUEM ESTEJA A APROVEITAR os eventos do Ano Internacional da Astronomia para observar o Sol em segurança terá notado que a nossa estrela se apresenta agora sem as famosas manchas escuras. Assim tem acontecido há já algum tempo. Em 2008, o Sol apresentou-se limpo 266 dos 366 dias desse ano. E, em 2009, o número total de dias limpos ultrapassa já 90, ou seja, cerca de 90% dos dias decorridos. É vulgar o Sol apresentar-se sem manchas. Mas não é habitual observar uma pausa tão prolongada. Desde 1913 que tal não acontecia.
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As manchas solares são tempestades magnéticas gigantescas que originam erupções de matéria, provocam aumentos bruscos do campo magnético e emitem uma radiação intensa, nomeadamente nos ultravioletas. As manchas são escuras, mas a actividade solar é mais intensa nos seus bordos, de forma que a radiação total libertada pelo Sol aumenta. O facto de registarmos neste momento um mínimo mais longo do que o normal significa pois que a radiação solar que nos atinge é menor, o que terá certamente efeitos no clima.
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Para observar manchas solares é preciso ter cuidados extremos. É perigosíssimo, podendo provocar a cegueira imediata, observar o Sol com binóculos ou telescópios. Só usando filtros profissionais essa observação é segura. O mais simples e prático é fazer a projecção de uma imagem do Sol sobre uma superfície branca — usando, por exemplo, um óculo invertido — e observar essa imagem. Existindo manchas, é fácil então detectá-las.
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Passada a emoção da sua descoberta por Galileu, as manchas solares tornaram-se uma curiosidade sem grande relevo para a astronomia. Mas, em 1844, Heinrich Schwabe, um farmacêutico alemão tornado astrónomo amador, notou uma regularidade: descobriu que as manchas aumentavam e diminuíam seguindo ciclos de cerca de 10 anos. O director do Observatório de Berna, Johann Rudolf Wolf, reparou na observação de Schwabe e meteu mãos ao estudo. Passou o resto da vida a contar as manchas solares, o que fez dia após dia sempre que as condições meteorológicas o permitiam. Recolheu observações dispersas do passado e inventou um método ainda hoje em uso para a medida das manchas. Iniciou a produção de uma série longa, que hoje continua a ser completada, e que revela as oscilações da actividade solar. Em 1852, mediu a periodicidade solar por um método elementar e encontrou um período de 11,11 anos.
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Uma vida dedicada a contar manchas pode parecer pouco para um cientista, mas conforme diria Wolf mais tarde, “sempre me consolei por saber que uma pessoa como eu, que não é um génio, pode tornar-se útil se escolher bem o objecto do seu trabalho e se o trabalho se talhar aos seus talentos”.
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Passados 62 anos, nos princípios do século XX, um jovem físico alemão estudou as observações deste homem útil e inventou um outro método para estimar a sua periodicidade. Baseou-se num instrumento matemático sofisticado: a chamada transformada de Fourier. Praticou pela primeira vez aquilo a que hoje se chama “análise de séries temporais no domínio frequência”.
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O jovem físico chamava-se Albert Einstein e o período que calculou para o ciclo solar foi também de 11,11 anos. Encontramo-nos apenas no fim de um desses ciclos. Sabemo-lo graças a um homem útil e a um homem de génio.

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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 25 de Abril de 2009 (adapt.). Imagem obtida [aqui]. Ver outras [aqui], [aqui] e [aqui].

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.