Por Nuno Crato
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TODOS OS ANOS, o Coelho da Páscoa tem à sua disposição um número infinito de ovos, que distribui por este mundo e por uma infinidade de outros. Onde os obtém e como consegue distribuí-los ninguém o sabe.
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Mas este ano o coelhinho ficou inquieto, pois ouviu falar da crise e pensou que ela se poderia abater sobre os ovos. Se eles lhe faltassem para o ano, como conseguiria cumprir o seu ritual em 2010? O melhor seria fazer já poupanças.
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Aprontou as coisas. Separou o seu saco mágico, onde cabe uma infinidade de ovos, e arranjou outro saco idêntico. Fez um furo no fundo do primeiro saco e disse ao seu ajudante, o Filipinho Diabinho, que aí ficasse para o ajudar. O coelhinho e o seu auxiliar são infinitamente rápidos e infinitamente eficientes — em pouco tempo conseguem manejar um número infinito de ovos.
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Ora os ovos da Páscoa, mais uma vez pouca gente o sabe, chegam ao coelhinho já numerados: 1, 2, 3, ... O que ele decidiu foi o seguinte. Iria fazer entrar os ovos no primeiro saco em grupos de dez: primeiro os ovos numerados de 1 a 10, depois os numerados de 11 a 20, depois os numerados de 21 a 30, e assim por diante. Por cada dez que entrassem, o Filipinho Diabinho, no fundo do saco, tiraria o primeiro da série e colocá-lo-ia no segundo saco. Assim, depois de entrarem os ovos 1 a 10, o Diabinho tiraria o ovo 1 e colocá-lo-ia no segundo saco. Depois de entrarem os ovos 11 a 20, tiraria o 11 e colocá-lo-ia no segundo saco. E assim sucessivamente...
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O Coelho da Páscoa sabia que desta forma ficaria com uma infinidade de ovos no primeiro saco, destinado a este ano, e com uma infinidade no segundo, guardado para 2010. Por cada nove no primeiro ficaria com um no segundo. Mas ao fim de repetir o processo uma infinidade de vezes teria um número infinito de ovos em cada saco. O infinito é assim, está cheio de surpresas. Apesar de parecer que no segundo saco haveria nove vezes menos o que no primeiro, em ambos haveria infinitos ovos. O problema de 2010 ficava já resolvido. Chegasse ou não a crise aos ovos.
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Não contava o coelho com as diabruras do seu ajudante, que trocou os números e colocou a etiqueta 11 no ovo 2, a 21 no ovo 3, e assim por diante. Desta forma, o Filipinho retirou o ovo 1 quando o seu chefe colocou os primeiros dez no saco, retirou o ovo 2 quando o seu chefe colocou os segundos dez no saco, o ovo 3 com os terceiros dez, e assim sucessivamente.
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O Coelho da Páscoa, que já está habituado às doidices do seu auxiliar, pouco se importou. Continuou a deitar os ovos no primeiro saco, aos pacotes de dez. O Diabinho continuou a tirar um de cada vez e enviá-lo para o segundo saco, até ao fim do processo. Foi quando o coelhinho reparou que nada tinha ficado no primeiro saco e tudo no segundo. Como era isso possível, se por cada nove que entravam no primeiro saía apenas um para o segundo?
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É possível é! Pense o leitor num ovo qualquer. Esse ovo há-de ter um número. Imaginou o 27? Imaginou o 10145? Pois esses ovos desapareceram do primeiro saco quando o Coelhinho lá colocou os pacotes de dez correspondentes. Se pensar bem, não há nenhum ovo que não acabe por ir parar ao segundo saco.
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Está confuso? O coelhinho também. Apesar de continuar a parecer que no primeiro saco haveria nove vezes mais ovos do que no segundo, foram todos parar a este último. Estamos agora a receber os ovos destinados a 2010. É a crise.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 4 de Abril de 2009 (adapt.)
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TODOS OS ANOS, o Coelho da Páscoa tem à sua disposição um número infinito de ovos, que distribui por este mundo e por uma infinidade de outros. Onde os obtém e como consegue distribuí-los ninguém o sabe.
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Mas este ano o coelhinho ficou inquieto, pois ouviu falar da crise e pensou que ela se poderia abater sobre os ovos. Se eles lhe faltassem para o ano, como conseguiria cumprir o seu ritual em 2010? O melhor seria fazer já poupanças.
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Aprontou as coisas. Separou o seu saco mágico, onde cabe uma infinidade de ovos, e arranjou outro saco idêntico. Fez um furo no fundo do primeiro saco e disse ao seu ajudante, o Filipinho Diabinho, que aí ficasse para o ajudar. O coelhinho e o seu auxiliar são infinitamente rápidos e infinitamente eficientes — em pouco tempo conseguem manejar um número infinito de ovos.
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Ora os ovos da Páscoa, mais uma vez pouca gente o sabe, chegam ao coelhinho já numerados: 1, 2, 3, ... O que ele decidiu foi o seguinte. Iria fazer entrar os ovos no primeiro saco em grupos de dez: primeiro os ovos numerados de 1 a 10, depois os numerados de 11 a 20, depois os numerados de 21 a 30, e assim por diante. Por cada dez que entrassem, o Filipinho Diabinho, no fundo do saco, tiraria o primeiro da série e colocá-lo-ia no segundo saco. Assim, depois de entrarem os ovos 1 a 10, o Diabinho tiraria o ovo 1 e colocá-lo-ia no segundo saco. Depois de entrarem os ovos 11 a 20, tiraria o 11 e colocá-lo-ia no segundo saco. E assim sucessivamente...
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O Coelho da Páscoa sabia que desta forma ficaria com uma infinidade de ovos no primeiro saco, destinado a este ano, e com uma infinidade no segundo, guardado para 2010. Por cada nove no primeiro ficaria com um no segundo. Mas ao fim de repetir o processo uma infinidade de vezes teria um número infinito de ovos em cada saco. O infinito é assim, está cheio de surpresas. Apesar de parecer que no segundo saco haveria nove vezes menos o que no primeiro, em ambos haveria infinitos ovos. O problema de 2010 ficava já resolvido. Chegasse ou não a crise aos ovos.
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Não contava o coelho com as diabruras do seu ajudante, que trocou os números e colocou a etiqueta 11 no ovo 2, a 21 no ovo 3, e assim por diante. Desta forma, o Filipinho retirou o ovo 1 quando o seu chefe colocou os primeiros dez no saco, retirou o ovo 2 quando o seu chefe colocou os segundos dez no saco, o ovo 3 com os terceiros dez, e assim sucessivamente.
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O Coelho da Páscoa, que já está habituado às doidices do seu auxiliar, pouco se importou. Continuou a deitar os ovos no primeiro saco, aos pacotes de dez. O Diabinho continuou a tirar um de cada vez e enviá-lo para o segundo saco, até ao fim do processo. Foi quando o coelhinho reparou que nada tinha ficado no primeiro saco e tudo no segundo. Como era isso possível, se por cada nove que entravam no primeiro saía apenas um para o segundo?
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É possível é! Pense o leitor num ovo qualquer. Esse ovo há-de ter um número. Imaginou o 27? Imaginou o 10145? Pois esses ovos desapareceram do primeiro saco quando o Coelhinho lá colocou os pacotes de dez correspondentes. Se pensar bem, não há nenhum ovo que não acabe por ir parar ao segundo saco.
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Está confuso? O coelhinho também. Apesar de continuar a parecer que no primeiro saco haveria nove vezes mais ovos do que no segundo, foram todos parar a este último. Estamos agora a receber os ovos destinados a 2010. É a crise.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 4 de Abril de 2009 (adapt.)
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NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.