domingo, 26 de abril de 2009

Lisboa e a “nova moeda”

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Por Helena Roseta
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ESCREVI EM 2002 que se estava a assistir ao florescimento de uma “nova moeda”: os metros quadrados de construção permitidos ou admissíveis, um verdadeiro “mercado de futuros” que estava a dar cabo do ordenamento do território.
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Em Portugal a “nova moeda” tem sido utilizada pelo próprio Estado para pagar obras para as quais não há capacidade orçamental. Foi com ela que se pagou, por exemplo, grande parte dos estádios do Euro 2004, através de direitos de edificabilidade cedidos a clubes de futebol, muitas vezes por simples protocolo. O governo, através da Secretaria de Estado do Ordenamento do Território e das Cidades, acaba de aprovar um decreto regulamentar que irá limitar a passagem de solos rurais a solos urbanos. Sabe-se que é nesta mudança de uso que se constroem mais-valias urbanísticas mirabolantes. É por isso que a pressão sobre autarquias e entidades públicas que decidem ou dão pareceres sobre o ordenamento do território é tão forte. O caso Freeport é apenas um exemplo desta pressão.
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O pior é que o Governo é muitas vezes o primeiro a embarcar no negócio milionário das mais- valias urbanísticas. Noticiou o Expresso, semanas atrás, que o Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças estaria a pressionar a Câmara de Lisboa para valorizar imóveis que o Estado quer pôr ou já pôs à venda. Na capital, o solo é praticamente todo urbano. As mais-valias urbanísticas aqui fazem-se através de mudanças de uso – de usos públicos, como equipamentos colectivo ou espaço verde, para usos privados - ou de aumento dos índices de construção. São estes mecanismos que determinam, no geral de forma bem opaca, a “valorização” de alguns terrenos. É assim que se cunha a “nova moeda”.
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Sucede que é à autarquia que cabe decidir, através do Plano Director Municipal, os usos e os índices de construção admissíveis. A revisão do PDM de Lisboa, que data de 1994, não teve até à data, no actual mandato, qualquer desenvolvimento público. No entanto, as zonas em transformação que podem estar na mira da “nova moeda” são muitas, a começar pelas que pertencem ao Estado: hospitais, instalações prisionais, quartéis e tribunais, para já não falar do aeroporto da Portela, estão anunciados pelo governo como equipamentos a deslocalizar. O que vai suceder nessas zonas? Vão manter-se como espaços de uso público ou vão transformar-se em condomínios privados de luxo? A questão é decisiva para o futuro de Lisboa. Porque todos os cidadãos têm o direito de saber o destino de edifícios e zonas que fazem parte da nossa memória e imaginário colectivos, como os velhos hospitais de S. José, Santa Marta, Capuchos, Estefânia e Curry Cabral, o IPO, a Penitenciária ou o Tribunal da Boa-Hora. E porque a “nova moeda”, mesmo antes de as decisões estarem tomadas, actua no imobiliário envolvente gerando grandes expectativas, que acabam por se reflectir em novas subidas de preços.
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É por isso que as diligências do Governo junto da CML não podem ficar no segredo dos gabinetes. É também por isso que nem o vereador do urbanismo nem o Presidente da CML podem responder sozinhos a quaisquer solicitações de valorização dos terrenos do Estado - o PDM depende da Assembleia Municipal e não pode ser alterado sem debate público. E é também por isso que é importante a comunicação social trazer estes temas para a agenda. Não podemos cobrir défices orçamentais excessivos com uma “nova moeda” totalmente desregulada. Nem pode o Governo, directamente ou através da Sagestamo, vender gato por lebre, anunciando para os terrenos e edifícios que põe à venda edificabilidades impossíveis ou inaceitáveis.
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O papel regulador do Estado, de que agora tanto se fala, também passa por aqui.

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«Expresso» de 25 de Abril de 2009

NOTA: Este texto é uma extensão do que está publicado no 'Sorumbático' [v. aqui], onde eventuais comentários deverão ser afixados.