Por Alice Vieira
NÃO SOU MULHER de superstições.
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Sempre convivi bem numa mesa de 13 pessoas, não me afligem os gatos pretos, não me ralo se estiverem a ler o (meu) jornal por cima do (meu) ombro, não me preocupo se abrirem chapéus de chuva dentro de casa, não acredito que uma carteira pousada no chão afaste o dinheiro, e se não gosto de cabides em cima da cama é apenas por uma questão de arrumação.
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Mas, desde há muitos anos, que não transijo num pormenor: nunca me visto de verde.
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Não tem a ver com nenhuma superstição daquelas que o povo conhece, nem se trata de qualquer acto ostensivo de repulsa sportinguista.
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É – digamos – mania minha.
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Mania assente em factos de tempos idos, quando eu era jovem e pensava que todos os amores eram eternos. Quando um dia descobri que não eram, senti-me a pessoa mais infeliz do mundo e, talvez por que então vivesse na cidade mais romântica do mundo, decidi tomar a atitude romântico-heróica de nunca mais na vida me vestir de verde, que era a cor da saia que eu levava nessa manhã.
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(Vá, podem rir à vontade, que eu espero.)
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Mas a verdade — e já lá vão 40 anos! - é que nunca mais me vesti de verde.
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Já fiz uma ou outra tentativa, caramba! não nos podemos deixar levar por palermices dos verdes anos!, e experimentei um lenço, uma t-shirt, uma coisa assim.
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Acabei sempre por desistir.
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Não consigo explicar porquê, mas é assim como se me sentisse a cometer uma traição, e com a certeza de que os deuses me vão castigar por isso.
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Mas na semana passada convidaram-me para ir a um programa da televisão.
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“É agora”, pensei eu, “nada melhor que este princípio de ano para acabar com esta tolice”.
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Vai daí, no próprio dia da emissão (para não ter tempo de me arrepender…) entrei numa loja, comprei uma camisola verde, mas verde mesmo, verde a sério, verde-que-te-quero-verde, e corri para os estúdios, onde tinha de chegar a horas porque o programa era em directo.
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Prendem-me um microfone à camisola (verde!), e lá me sentam ao lado da jornalista, que está ligada pelo ouvido à régie, onde —segundo depreendo — lhe estão a dar alguma ordem de última hora.
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Ela diz-me qualquer coisa que eu não entendo, porque fala baixinho, e repete, mas só à terceira é que percebo:
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“Estão a perguntar-me se não se importa que a sua camisola vá aparecer azul em vez de verde… É que o cenário atrás de si é verde, e por isso temos de mudar a cor, se não não se distingue nada”.
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E lá apareci de azul nos écrans.
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E lá enfiei a camisola verde para o fundo mais fundo de uma gaveta, donde espero não voltar a tirá-la.
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Quem sabe se este não foi um recado dos deuses? Pelo sim pelo não, o melhor é não os provocar.
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«JN» de 18 de Janeiro de 2009
NÃO SOU MULHER de superstições.
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Sempre convivi bem numa mesa de 13 pessoas, não me afligem os gatos pretos, não me ralo se estiverem a ler o (meu) jornal por cima do (meu) ombro, não me preocupo se abrirem chapéus de chuva dentro de casa, não acredito que uma carteira pousada no chão afaste o dinheiro, e se não gosto de cabides em cima da cama é apenas por uma questão de arrumação.
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Mas, desde há muitos anos, que não transijo num pormenor: nunca me visto de verde.
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Não tem a ver com nenhuma superstição daquelas que o povo conhece, nem se trata de qualquer acto ostensivo de repulsa sportinguista.
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É – digamos – mania minha.
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Mania assente em factos de tempos idos, quando eu era jovem e pensava que todos os amores eram eternos. Quando um dia descobri que não eram, senti-me a pessoa mais infeliz do mundo e, talvez por que então vivesse na cidade mais romântica do mundo, decidi tomar a atitude romântico-heróica de nunca mais na vida me vestir de verde, que era a cor da saia que eu levava nessa manhã.
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(Vá, podem rir à vontade, que eu espero.)
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Mas a verdade — e já lá vão 40 anos! - é que nunca mais me vesti de verde.
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Já fiz uma ou outra tentativa, caramba! não nos podemos deixar levar por palermices dos verdes anos!, e experimentei um lenço, uma t-shirt, uma coisa assim.
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Acabei sempre por desistir.
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Não consigo explicar porquê, mas é assim como se me sentisse a cometer uma traição, e com a certeza de que os deuses me vão castigar por isso.
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Mas na semana passada convidaram-me para ir a um programa da televisão.
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“É agora”, pensei eu, “nada melhor que este princípio de ano para acabar com esta tolice”.
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Vai daí, no próprio dia da emissão (para não ter tempo de me arrepender…) entrei numa loja, comprei uma camisola verde, mas verde mesmo, verde a sério, verde-que-te-quero-verde, e corri para os estúdios, onde tinha de chegar a horas porque o programa era em directo.
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Prendem-me um microfone à camisola (verde!), e lá me sentam ao lado da jornalista, que está ligada pelo ouvido à régie, onde —segundo depreendo — lhe estão a dar alguma ordem de última hora.
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Ela diz-me qualquer coisa que eu não entendo, porque fala baixinho, e repete, mas só à terceira é que percebo:
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“Estão a perguntar-me se não se importa que a sua camisola vá aparecer azul em vez de verde… É que o cenário atrás de si é verde, e por isso temos de mudar a cor, se não não se distingue nada”.
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E lá apareci de azul nos écrans.
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E lá enfiei a camisola verde para o fundo mais fundo de uma gaveta, donde espero não voltar a tirá-la.
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Quem sabe se este não foi um recado dos deuses? Pelo sim pelo não, o melhor é não os provocar.
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«JN» de 18 de Janeiro de 2009
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