sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Um frio de rachar pedras

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Por Antunes Ferreira
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NA TORRE ESTÃO 9 negativos. Um vento cortante levanta remoinhos da neve que por ali se encontra, um tanto esparsa, só acumulada com algum volume aqui e ali. Na pista de esqui, de tapete branco sofrível, uma caterva de raparigas e rapazes atiram bolas e deslizam em tobogans de plástico azuis, vermelhos, amarelos e verdes. À mistura com trambolhões e piruetas, entre gargalhadas e gritos de alegria. Jovens.
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Venho (vimos, minha mulher e eu) de Seia, onde abancamos durante três dias. A Meteorologia bem se afadiga a avisar a malta sobre o frio e como combatê-lo e mais isto e aquilo. Um frio de rachar pedras, diz o Povo. Concordo. De repente, há quem se lembre dos sem abrigo e saltam reportagens da solidariedade televisionada. É preciso que o tempo pregue umas partidas para que haja umas tentativas, ténues, do que se diz ser o «amor pelo próximo». Há mesmo quem acrescente: e pelo mais afastado.
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Esta vaga de frialdade extrema (diz quem sabe de tais coisas que se trata de uma massa de ar polar) logo tinha de acontecer no início do annus horribilis. Que todas as pessoas importantes deste triste Mundo e, sobretudo, deste impagável País, têm anunciado com mais sanha e profusão do que agência a publicitar os créditos pessoais/ bancários pelo telefone. Apesar da crise que vai, parece, com vento de popa.
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A gripe, ao que consta, vai deixando de estar na moda, ainda que de forma sorna e miudinha. Aliás, numa terra como a nossa, em que impera a sornice e a “miudinhice”, não admira. Espantaria, sim, se a endemia (assim lhe chamam) abalasse em velocidade, ainda que moderada. No ritmo do alegro ma non tropo, que metronomicamente se usa por aqui. É o que temos e é, principalmente, o que somos.
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Neste contexto, uma circunstância se me afigura – ainda – estranha. Acrescento para melhor elucidação do ainda. Nos dias que vão correndo, já nada admira ninguém, quanto mais estranha. No caso vertente, porém, vejam que ainda consigo estranhar. É simples. Pelo menos até ao momento em que escrevo estas miseráveis linhas, não ouvi ninguém culpar o Sócrates e os seus acompanhantes da eclosão do surto gripal.
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Mais ainda. Tal se passa, igualmente, com o frio. Deixem-me que vos diga que não me parece bem. Há que apontar o dedo aos culpados e mentirosos e esta deveria ter sido uma altura a aproveitar. E, complementarmente, ideal. No meio das calinadas e desatinos – desde um Orçamento falso como Judas, até à desmedida obsessão de impedir o normal funcionamento do ano lectivo (?) – não se pode admitir este silêncio ensurdecedor.
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Ainda que dispondo de maioria para o respaldar, bom seria que o Chefe do Governo fosse ao Parlamenta (quiçá chamado), para especificar porque não confessara atempadamente que, quer a gripe, quer o frio, eram de sua exclusiva responsabilidade. Ou, no mínimo, porque razão não tinha previsto que os dois chegassem. Com algum aviso prévio, há que o dizer, mas, mesmo assim, competia ao Executivo impedir que tal acontecesse.
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Felizmente que as Oposições, ainda que por vezes, escassas, escorreguem, estão atentas aos deslizes governamentais e saltam quando devem em defesa dos cidadãos. E acusam. É para isso mesmo que as Oposições servem: para dar porrada no Governo. Sempre foi assim, sempre é, sempre continuará a ser. Sempre também em defesa dos referidos cidadãos, especialmente os mais desfavorecidos. E, nomeadamente, nestes dias gélidos.
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Quase me permito, assim, afirmar que ainda bem que veio o frio. Já que as Oposições não tiraram proveito dele, pelo menos para justificar essas manifestações diversas – não confundir, sff, com as dos professores - em prol dos que dormem na rua. E que, por via de regra, não tomam atenção aos conselhos televisivos para o combater: roupa leve mas quente, em diversas camadas para que não dificulte os movimentos, alimentos quentes, nada de álcool e aquecimento q.b. De preferência, central.