terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Mosquitos pitagóricos

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Por Nuno Crato
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ANTES DE SE TER CONTACTO ALARGADO com outras culturas, tem-se a tendência a imaginar que tudo se passa mais ou menos como o que conhecemos. Julga-se que todos deverão gostar de morcela e que não há cidade mais acolhedora que a nossa. Mas quando se começa a experimentar sushi e se lê Coetze, percebe-se que há maneiras diferentes de estar no mundo.
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Uma das louváveis redescobertas do século XX foi a da variedade de culturas, de critérios e de crenças. Muitos pensadores ocidentais perceberam que era necessária e proveitosa uma abertura à diferença. Em arte pensou-se da mesma maneira. Inventaram-se outras maneiras de pintar e criaram-se músicas que antigamente seriam consideradas ruído. Verificou-se que os critérios estéticos variam com a cultura e a educação.
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Uma corrente de pensamento que alastrou as suas ambições da crítica literária à sociologia e à filosofia levou estes pontos de vista ao extremo. Em arte, moral, política, e mesmo ciência, não haveria nada que não fosse dependente da cultura. Tudo seria uma “construção social”, como se começou a dizer.
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Mas será exactamente assim? Não haverá nada mais na ciência? Não haverá o confronto com uma realidade externa? E mesmo na arte? A nossa repulsa pelos excrementos e o nosso deslumbre com os rosados do pôr do sol serão apenas construções sociais? A paixão matemática de Pitágoras com os números que produzem as harmonias musicais será outra pura construção social?
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Há quase 2500 anos, esse sábio grego estudou as proporções entre os comprimentos das cordas dos instrumentos e verificou que há umas que produzem harmonias e outras que produzem dissonâncias. Ficou deslumbrado quando verificou que as proporções harmónicas correspondem a cordas com comprimentos em múltiplos inteiros.
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Em linguagem moderna, fala-se em frequências de sons, medidas em ciclos por segundo, Hertz (Hz). Quando se duplica a frequência de um som, tornando-o mais agudo, sobe-se uma oitava na escala musical. Quando se multiplica uma frequência por 3/2 sobe-se uma quinta, e por aí adiante. Os acordes resultantes são agradáveis ao ouvido. O que é curioso é que a natureza também parece pensar assim.
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Num artigo acabado de publicar pela “Science”, quatro cientistas da universidade de Cornell relataram os seus estudos sobre as canções de amor dos mosquitos do dengue (Aedes aegypti). Não ouviram propriamente “amore mio”, em linguagem de insecto, mas conseguiram verificar que o ritual do acasalamento entre mosquitos desta espécie é precedido por uma sintonização de frequências numa harmónica comum.
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Os machos começam por produzir sons com as suas asas na frequência de 600 Hz — seiscentos ciclos por segundo, qualquer coisa parecida com um Sol na nossa música. Mas ao perseguirem as fêmeas, duplicam a frequência — produzindo qualquer coisa como um Sol uma oitava acima. As fêmeas, que produzem sons de 400 Hz — perto do Dó central de um piano —, respondem multiplicando por três a frequência da sua batida, de forma a se sintonizarem com os machos nos 1200 Hz, que constituem o mínimo múltiplo comum das duas frequências fundamentais. A nota resultante, o Sol, é a harmonia do amor dos mosquitos. Pitágoras não teria conseguido melhor.
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«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 17 de Janeiro de 2009

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