terça-feira, 13 de outubro de 2009

A gnomónica das borboletas

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Por Nuno Crato

O SOL É UM ASTRO PRECIOSO para a navegação. Mas é preciso saber usá-lo. Diz-se que aponta para sul, mas isso nem sempre assim é. De madrugada aparece a leste, e ao cair da noite está a oeste. Só ao meio-dia aponta exactamente para sul. Mesmo assim, isto só é verdade no nosso hemisfério, pois quando passamos para baixo do equador, aponta para norte. E só fora dos trópicos assim se passa durante todo o ano. Confuso? Pois isto é apenas o começo.

Em tempos idos, quando seguíamos o tempo pelos relógios de sol, havia especialistas que percebiam todos os aparentes do Sol e sabiam construir aparelhos que marcavam a hora com grande precisão. O tema é tão intrincado, envolvendo tantos conhecimentos, da trigonometria à astronomia, que tinha um nome especial. Falava-se de gnomónica.

É um nome curioso. Vem de gnómon, uma palavra de origem grega que significa «ponteiro», ou «o que indica». Os ponteiros dos relógios de sol recebem o nome de gnómones e podemos usá-los para orientação, desde que saibamos o que estamos a fazer.

Para fixar ideias, imaginemos que nos encontramos sempre a norte do trópico de Câncer — o sol do meio-dia está pois sempre a sul. Tentemos agora fazer uma viagem de 4000 quilómetros usando apenas o Sol como bússola. Não deve ser fácil. De manhã, o Sol aparece-nos a leste e teremos de navegar com ele à nossa esquerda. Enquanto as horas avançam, o Sol vai-se deslocando para sul e teremos de viajar com ele à nossa frente. Passado o meio-dia, o Sol começa a deslocar-se para oeste e teremos de avançar com ele à nossa direita.

Teremos pois, no decorrer do dia, que ir compensando o movimento aparente do astro. Com um relógio e tabelas da posição do Sol, isso é fácil. Mas se não tivermos nem um relógio nem tabelas a tarefa complica-se. Teremos de o fazer de maneira muito aproximada, usando o relógio interno que todos temos algures no cérebro.

Pois é perante uma tarefa destas que se encontram as borboletas monarcas (Danaus plexippus) que, todos os anos, pelo Outono, guiando-se pelo Sol, fazem uma viagem heróica desde o Canadá e as e planícies norte-americanas até aos planaltos centrais do México. São mais de 4000 quilómetros de voo praticamente ininterrupto.

Sabemos que essas borboletas, que há alguns anos começaram a estabelecer colónias também no sul de Portugal, se orientam pelo sol. Colocando-as num ambiente escuro elas viajam sem direcção preferencial e colocando-as face a uma luz seguem-na, mudando de orientação ao longo do dia. Recentemente, três investigadores da Universidade de Massachusetts, conseguiram determinar o órgão das borboletas que controla este complexo mecanismo de orientação. Ao contrário do que se pensava, não se situa no seu diminuto cérebro. Está nas suas antenas. São estas que permitem ao animal orientar-se pelo sol.

O estudo dos investigadores norte-americanos acaba de sair na «Science» (DOI: 10.1126/science.1176221). Relatam como removeram as antenas de alguns insectos e estes passaram a não conseguir orientar-se no voo, apesar de manterem o seu relógio interno no cérebro. Cobrindo as antenas com uma tinta preta, obtiveram o mesmo resultado. Confundindo-as, expondo as antenas ao sol apenas após o meio dia, notaram que as borboletas seguiam voo perpendicularmente à direcção do Sol, como fariam normalmente quando este está a nascer.

As borboletas monarcas são mestres na gnomónica.

«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 10 de Outubro de 2009