quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Malandros e Serafins

.
Por Baptista-Bastos

QUAL O PODER DA PALAVRA, numa época não propícia ao prazer da sua fruição? Nenhum. Nota-se que a maioria dos políticos alimenta um conflito insanável com os livros. Como não lê, não sabe escrever e pensa com desmedida dose de preguiça. Se é que pensa. Os discursos proferidos após as eleições legislativas foram tão vazios de sentido quanto de conteúdo. Para consolar um pouco a nação dos desgostos, veio o dr. Cavaco saudar o 99.º aniversário da República invocando a moral política e a ética que se lhe associa. Uma fraca peça de retórica. No entanto, comentadores houve que escabicharam o débil texto, dele extraindo sibilinos avisos a Sócrates e ao próximo Governo. E como o secretário--geral do PS comemorou o aniversário da implantação da República na Câmara Municipal, e o Chefe do Estado no palácio de Belém, logo os comentadores rasparam a notória inutilidade do facto para fazerem o apostolado da intriga. "Ele largou umas farpas ao Cavaco, reparaste?"

A não-notícia converteu-se nos parágrafos da provisão com que a imprensa, as rádios e as televisões nos alimentam, e assim, com alegre ligeireza, desviam de cima das nossas cabeças os horrores que nos ameaçam. Regresso a Jorge de Sena: "Que Portugal se espera em Portugal? Que esperar daqui? O que esta gente não espera porque espera sem esperar? Nada de bom. Chega a ser hilariante o azougue com que se movimenta Paulo Portas. O homem, já de si, é um agitado, um excessivo, um gesticulante. Agora, aureolado de chefe da oposição, é exaustivo, porque carregado de prodigiosa ostentação de si próprio.

É gente deste jaez e estilo que compõe o cenário da nossa desventura política. O CDS inchou proporcionalmente ao emagrecimento do PSD; os votos do PS foram para o Bloco de Esquerda e para o PCP, e a recomposição do quadro parlamentar não vai resolver coisa alguma. Há quem defenda que a "fragmentação" da Assembleia pode inspirar novas opções e agitar a piedosa sonolência dos deputados. Não o creio. Como todos os partidos têm de fazer cedências para se manterem no poder, as coisas vão ficar mais ou menos na mesma - e nós é que suportaremos as penitências.

O paradigma pode ser outro, mas as pessoas não se alteraram. Todos regressaram aos antigos lugares e às antigas rotineiras funções. O discurso não se inova, não se modifica porque a cábula permanece inalterável. Os partidos abandonaram, há muito, a representação do concebível e, hoje, não passam de burocracias cheias de pó, servidas por zelosos funcionários sem grandeza e, acaso, sem honra. Nada de isto me regozija. A teoria do quanto pior, melhor, não faz cama nas minhas ideias. Mas a da imobilidade também me não embala. Vamos esperar para ver. Para ver quê? Os malandros transformarem-se em inesperados serafins?

«DN» de 7 de Outubro de 2009