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Por Maria Filomena Mónica
AS PESSOAS ESCREVEM por uma multiplicidade de razões, fome de celebridade, desejo de vingança, narcisismo, ódio e dinheiro. O último factor é certamente o mais comum. Escritores célebres – Camilo, Dickens, Orwell – colaboraram em jornais como forma de ganhar a vida, mas nenhum foi tão imaginativo quanto Eça, que delineou um enredo, A Batalha do Caia, com o objectivo de chantagear o Ministério dos Negócios Estrangeiros: inventou uma invasão espanhola aceite resignadamente por Portugal. Caso o ministro Andrade Corvo considerasse a ideia explosiva, prontificava-se, mediante uma determinada soma, a não publicar a história. O plano só não foi concretizado porque Ramalho Ortigão, a quem atribuíra o papel de intermediário, se recusou a fazer parte do que considerava uma imoralidade. Embora eu tenha delirado com o esquema, nunca o tentei imitar. Mas, como ele, preciso de dinheiro. Se é verdade que ver a minha opinião impressa me dá prazer, duvido que o fizesse caso não fosse paga.
Faz agora um ano, estando em pousio do meu «diário» quinquenal no Público, telefonou-me o Sérgio Coimbra. Não o conhecia pessoalmente, mas tendo-nos falado ao telefone vezes sem conta, quando colaborei em O Independente, simpatizava com ele. Dei-me 24 horas para decidir. Uma vez que raramente saio do meu bairro, não conhecia este género de jornais, mas sabia que a colaboração poderia afectar o meu status académico. Quando interroguei os meus mais íntimos colegas, desaconselharam-me o projecto, na base de que uma doutorada em Oxford não podia descer tão baixo. A snobeira, implícita na atitude, ajudou-me a decidir: em sentido contrário.
Decidi colaborar, com uma precaução: a de jamais infantilizar as minhas crónicas. Caso o que escrevesse estivesse acima da cultura dos leitores do jornal, competia ao seu director despedir-me, não a mim adoptar uma atitude populista. Escolhi, de forma livre, os meus temas, do destino do cadáveres à homenagem à série «Dr House». Se perdi influência junto das elites, penetrei em camadas da população às quais nunca tivera acesso. Em suma, não me arrependo.
Maio de 2008
Por Maria Filomena Mónica
AS PESSOAS ESCREVEM por uma multiplicidade de razões, fome de celebridade, desejo de vingança, narcisismo, ódio e dinheiro. O último factor é certamente o mais comum. Escritores célebres – Camilo, Dickens, Orwell – colaboraram em jornais como forma de ganhar a vida, mas nenhum foi tão imaginativo quanto Eça, que delineou um enredo, A Batalha do Caia, com o objectivo de chantagear o Ministério dos Negócios Estrangeiros: inventou uma invasão espanhola aceite resignadamente por Portugal. Caso o ministro Andrade Corvo considerasse a ideia explosiva, prontificava-se, mediante uma determinada soma, a não publicar a história. O plano só não foi concretizado porque Ramalho Ortigão, a quem atribuíra o papel de intermediário, se recusou a fazer parte do que considerava uma imoralidade. Embora eu tenha delirado com o esquema, nunca o tentei imitar. Mas, como ele, preciso de dinheiro. Se é verdade que ver a minha opinião impressa me dá prazer, duvido que o fizesse caso não fosse paga.
Faz agora um ano, estando em pousio do meu «diário» quinquenal no Público, telefonou-me o Sérgio Coimbra. Não o conhecia pessoalmente, mas tendo-nos falado ao telefone vezes sem conta, quando colaborei em O Independente, simpatizava com ele. Dei-me 24 horas para decidir. Uma vez que raramente saio do meu bairro, não conhecia este género de jornais, mas sabia que a colaboração poderia afectar o meu status académico. Quando interroguei os meus mais íntimos colegas, desaconselharam-me o projecto, na base de que uma doutorada em Oxford não podia descer tão baixo. A snobeira, implícita na atitude, ajudou-me a decidir: em sentido contrário.
Decidi colaborar, com uma precaução: a de jamais infantilizar as minhas crónicas. Caso o que escrevesse estivesse acima da cultura dos leitores do jornal, competia ao seu director despedir-me, não a mim adoptar uma atitude populista. Escolhi, de forma livre, os meus temas, do destino do cadáveres à homenagem à série «Dr House». Se perdi influência junto das elites, penetrei em camadas da população às quais nunca tivera acesso. Em suma, não me arrependo.