Por Alice Vieira
COM ESTA PARANÓIA DA GRIPE, qualquer ponta de febre que se tenha nos parece de imediato os 40 graus que é suposto a gente ter quando ela ataca.
Até eu - que me gabo de não me deixar influenciar - me vi um dia destes, às quatro da madrugada (mas sem passarinhos a cantar) a ligar para a Linha-24, convencida de que ia engrossar as estatísticas.
Porque, com as rádios e as televisões a divulgarem constantemente os casos que vão aparecendo – e é mais um nos Açores, e mais três no Algarve, e a creche que fechou e a que vai fechar — a gente de repente tem a certeza de que a gripe já entrou na nossa casa, ó para ela a subir as escadas do nosso prédio, e agora é a vizinha do 1.º, depois a do 2.º, e de nada vale a gente tentar ser racional e pensar que não é possível porque está tudo de férias e não há ninguém no nosso prédio.
Então lá estava eu ao telefone a debitar os meus sintomas, e a enfermeira (cujo nome não recordo, com muita pena, porque aquela conversa foi das poucas coisas boas que me aconteceram nestes últimos tempos) a acalmar-me, sobretudo porque a todas as perguntas que me ia fazendo, eu ia respondendo que não: não, não tenho dores de garganta, não, não tenho o nariz a pingar, - e sobretudo não, não tenho febre.
Foi então que a enfermeira, com paciência evangélica, me disse uma frase que há-de ficar para todo o sempre na galeria das frases que mais marcaram a minha vida: “nem todas as gripes são Gripe-A; nem todas as viroses são gripe”.
E, se calhar porque já não sabia que mais dizer, perguntou :
“Por acaso esteve ontem com muita gente?”
Tive de confessar que tinha estado rodeada de meia Lisboa, aos abraços e beijos a meia Lisboa, a chorar nos braços de meia Lisboa, e que um enterro de um amigo não é lugar ideal para se fugir de contágios.
De qualquer maneira a enfermeira garantia que, se fosse mesmo A gripe, a febre já estaria a trepar pelo termómetro e não se ficaria pelos míseros 36,5, que era o máximo que eu conseguia atingir.
Mas ela era rigorosa (ó que bom, haver neste país alguma coisa que funciona bem, mesmo às quatro da madrugada!), e perguntou:
“Tem feito muitos esforços ultimamente?”
Explico-lhe o que tem sido o meu ritmo de vida nos últimos meses e ela acaba por descobrir o que realmente determina aquele terrível cansaço, aquelas terríveis dores no corpo todo: “o que a senhora está é cansada!”
E de repente a voz do meu querido amigo Raul salta para o meio da nossa conversa, naquela sua magnífica "Ida ao Médico" (“Tussa! O que o senhor tem é tosse!”), e os ben-u-rons ficam à espera de serem necessários, e a paranóia acalma, e a madrugada enche-se de gargalhadas e, pelo menos por enquanto, a gripe ainda não entrou no meu prédio. Acho que tem medo de gargalhadas.
COM ESTA PARANÓIA DA GRIPE, qualquer ponta de febre que se tenha nos parece de imediato os 40 graus que é suposto a gente ter quando ela ataca.
Até eu - que me gabo de não me deixar influenciar - me vi um dia destes, às quatro da madrugada (mas sem passarinhos a cantar) a ligar para a Linha-24, convencida de que ia engrossar as estatísticas.
Porque, com as rádios e as televisões a divulgarem constantemente os casos que vão aparecendo – e é mais um nos Açores, e mais três no Algarve, e a creche que fechou e a que vai fechar — a gente de repente tem a certeza de que a gripe já entrou na nossa casa, ó para ela a subir as escadas do nosso prédio, e agora é a vizinha do 1.º, depois a do 2.º, e de nada vale a gente tentar ser racional e pensar que não é possível porque está tudo de férias e não há ninguém no nosso prédio.
Então lá estava eu ao telefone a debitar os meus sintomas, e a enfermeira (cujo nome não recordo, com muita pena, porque aquela conversa foi das poucas coisas boas que me aconteceram nestes últimos tempos) a acalmar-me, sobretudo porque a todas as perguntas que me ia fazendo, eu ia respondendo que não: não, não tenho dores de garganta, não, não tenho o nariz a pingar, - e sobretudo não, não tenho febre.
Foi então que a enfermeira, com paciência evangélica, me disse uma frase que há-de ficar para todo o sempre na galeria das frases que mais marcaram a minha vida: “nem todas as gripes são Gripe-A; nem todas as viroses são gripe”.
E, se calhar porque já não sabia que mais dizer, perguntou :
“Por acaso esteve ontem com muita gente?”
Tive de confessar que tinha estado rodeada de meia Lisboa, aos abraços e beijos a meia Lisboa, a chorar nos braços de meia Lisboa, e que um enterro de um amigo não é lugar ideal para se fugir de contágios.
De qualquer maneira a enfermeira garantia que, se fosse mesmo A gripe, a febre já estaria a trepar pelo termómetro e não se ficaria pelos míseros 36,5, que era o máximo que eu conseguia atingir.
Mas ela era rigorosa (ó que bom, haver neste país alguma coisa que funciona bem, mesmo às quatro da madrugada!), e perguntou:
“Tem feito muitos esforços ultimamente?”
Explico-lhe o que tem sido o meu ritmo de vida nos últimos meses e ela acaba por descobrir o que realmente determina aquele terrível cansaço, aquelas terríveis dores no corpo todo: “o que a senhora está é cansada!”
E de repente a voz do meu querido amigo Raul salta para o meio da nossa conversa, naquela sua magnífica "Ida ao Médico" (“Tussa! O que o senhor tem é tosse!”), e os ben-u-rons ficam à espera de serem necessários, e a paranóia acalma, e a madrugada enche-se de gargalhadas e, pelo menos por enquanto, a gripe ainda não entrou no meu prédio. Acho que tem medo de gargalhadas.
«JN» de 15 de Agosto de 2009