Por Nuno Crato
DIA 19 DE JULHO, quando um cometa atingiu Júpiter deixando sobre ele uma gigantesca marca, os astrónomos congratularam-se pela rara oportunidade de observar uma colisão de astros no sistema solar. Quinze anos atrás, tinham observado o impacto do cometa Shoemaker-Levy sobre o mesmo planeta. Ao contrário deste, que tinha sido previsto com antecedência, e sobre o qual telescópios de todo o mundo na altura se debruçaram, o impacto de 19 de Julho foi totalmente inesperado.
Quem pela primeira vez notou uma mancha nova sobre o planeta foi um astrónomo amador australiano, de nome Anthony Wesley. O achado foi confirmado pelos maiores observatórios do mundo, que estudaram a composição dos gases e partículas libertados, semelhantes aos que tinham sido ejectados pelo cometa Shoemaker-Levy. Com grande probabilidade, o objecto que caiu sobre Júpiter era um cometa.
Houve quem estranhasse que tivesse sido um amador a descobrir a rara ocorrência. Mas isso acontece frequentemente com eventos imprevistos. Os profissionais têm programas de estudo definidos e não vasculham os céus ao acaso, antes aproveitam os raros e dispendiosos momentos de acesso aos observatórios para efectuar estudos precisos e há muito programados. Os amadores têm, em geral, mais tempo para observar os astros sem propósito definido. Numa noite podem fotografar a Lua, observar a grande nebulosa de Orionte e deter-se ainda sobre Júpiter. Por essas razões, os grandes caçadores de cometas, que descobrem anualmente muitos desses astros, são quase sempre amadores.
Os cometas que inesperadamente aparecem nos céus são originados na chamada nuvem de Oort, que rodeia o nosso sistema planetário. É nuvem gigantesca e muito rarefeita, de objectos que remanescem da nébula primordial que originou o sistema solar. Entre as poeiras e objectos que aí existem há pedaços de gelo sujo que, ocasionalmente, por efeito da passagem por perto de uma estrela ou por outra perturbação gravítica, abandonam essa região e aproximam-se do Sol. Nessa altura, esses objectos começam a derreter-se e revelam-se como cometas, com cabeleiras e extensas caudas. Terá sido um desses cometas imprevistos que se abateu sobre Júpiter em 19 de Julho.
Ao registar este impacto, os astrónomos têm ainda um outro prazer. Confirmam uma ocorrência que, segundo todos os cálculos, nos tem protegido repetidamente de impactos cósmicos devastadores. Confirmam que Júpiter, assim como Saturno, tem actuado como barreira que impede muitos cometas de atingirem a Terra.
A vida sobre o nosso planeta tem sido permitida pelo facto de os grandes impactos cósmicos terem sido muito raros. Acredita-se que há cerca de 65 milhões de anos uma colisão precipitou o fim da era dos dinossáurios. Há 40 milhões de anos registou-se outra extinção de vida generalizada, possivelmente também devida à queda de cometas sobre a Terra. Mas os períodos tranquilos têm sido muito longos.
Esta semana ficou a saber-se mais sobre a nuvem de Oort devido a um trabalho de dois cientistas da Universidade de Washington publicado online pela «Science». De acordo com os seus cálculos, a frequência com que cometas caem sobre o nosso planeta é muito menor do que se pensava. Os cálculos apontam para órbitas de colisão mais precisas do que antes se imaginava, mas continuam a mostrar que os planetas gigantes são uma barreira protectora do nosso planeta. Como diriam os Romanos, o poderoso Júpiter protege-nos.
«Passeio Aleatório» - «Expresso» de 1 de Agosto de 2009