Por Maria Filomena Mónica
UMA DAS COISAS MAIS TERRÍVEIS que nos pode acontecer ao longo da vida é a perda de um amigo. Com sorte, até aos cinquenta anos apenas o sabemos de forma teórica e nebulosa; depois, o facto torna-se concreto e frequente. Mas a trivialidade em nada contribui para diminuir a dor. Um dia, verificamos que já não podemos contar-lhe as nossas aventuras, segredar-lhe a última intriga, conversar sobre o livro que acabámos de descobrir. Foi isto que me aconteceu com A. B. Kotter, o inglês que, depois de ter passado vários anos em Portugal, morreu, em circunstâncias misteriosas, no Brasil.
Muitos se terão esquecido das crónicas que começou a publicar no jornal A Tarde, em Junho de 1982, passando por vários periódicos, até terminar, em 1998, no semanário O Independente. Mais do que de si próprio, falava do país que «o havia acolhido generosamente no seu seio». Dele, apenas sabemos que, após uma vida activa como advogado em Londres, entremeada por tarefas secretas para o MI6, se reformara, tendo escolhido Portugal como destino, não só pela amenidade do clima e a simpatia das pessoas, mas também pela tranquilidade social. Foi apressadamente que deixou a Várzea de Colares: nem a mim confidenciou o motivo, o que, conhecendo-o, não me ofendeu.
Relendo-o hoje, interrogo-me como foi possível a este estrangeiro, mais familiarizado com Thomas Hardy do que com Cesário Verde, escrever sobre Portugal de forma tão certeira e cordial. Até eu sou capaz de citar de memória algumas das suas frases: «Os homens portugueses ficam meninos toda a vida e finalmente acabam com complexos de masculinidade». Foram as saudades de Kotter que, passados dez anos sobre a sua morte, me levaram recentemente à Casa do Alentejo, a fim de ouvir o Embaixador José Cutileiro evocar o amigo comum. Se ainda não tem o livro, vá depressa a uma livraria, a fim de comprar os seus «Bilhetes de Colares» (Assírio e Alvim, 2007). Eu não tenho muitos amigos, mas os que tenho são bons.
Abril de 2008