Por Alice Vieira
PERDI QUATRO amigos neste mês de Agosto.
A minha cabeça e o meu coração andaram entre Lisboa e o Porto, tentando dar a cada um o pouco de mim que em vida, nalguns casos, não tive tempo de lhes dar: vamos sempre acreditando que os nossos amigos são eternos e, quando descobrimos que não são, já é tarde.
Com uma virose que teima em não me largar, e o trabalho atrasadíssimo, facilmente se compreende que este Agosto esteja a ser muito difícil de aguentar.
Felizmente os amigos que me restam conhecem-me tão bem que, sem eu dizer nada, se têm encarregado de me tornar os dias um pouco mais suportáveis.
Porque amigo é assim mesmo: conhece-nos por dentro, adivinha aquilo de que necessitamos, sabe o que nos alegra, entende os nossos silêncios, tem a capacidade de nos surpreender dando-nos aquilo de que estamos mesmo a precisar – mas sem termos de o pedir. Porque se o pedimos… qualquer estafeta serve.
Olho as rosas na minha mesa — e fico feliz por não ter tido necessidade de as pedir ao meu amigo João.
Penso no café bebido no Starbucks de Belém – e fico feliz por não ter tido necessidade de pedir à Inês que naquela manhã me levasse lá.
Espero o telefonema da Leonor, porque sei que, sem que eu o peça, ele chega sempre a meio da madrugada.
A Dina manda-me postais diariamente.
E o Vítor enfiou-me no carro e desandou comigo para o Café da Natália (em S. Pedro de Sintra, para quem não conhece) ignorando os meus protestos de que o trabalho se iria atrasar, porque sabe que nada faz melhor à alma do que as empadas que lá se comem.
Mas confesso que não esperava o telefonema do António, com quem ainda recentemente tinha estado no velório do Alberto.
À beira dos 80, o António é, de certeza, um dos melhores contadores de anedotas que existem à face da terra.
- O Alberto faz-me uma falta do caraças… – diz de repente, a meio de uma frase de circunstância — E é por isso que eu te estou a ligar.
Gaguejou mais meia dúzia de palavras, até que explicou tudo.
Do seu grupo de amigos, “amigos mesmo, mesmo a sério, tás a ver?”, já não restava ninguém.
Todas as noites o António ligava ao Alberto para lhe contar anedotas. E agora já não tinha ninguém com quem cumprir o ritual.
- Se tu não te importasses…
E pronto, todas as noites, muito antes do telefonema da Leonor, o António liga-me. Conta duas, três anedotas, ri muito, manda beijinhos, deseja boa noite e desliga.
Às vezes as anedotas são repetidas, mas eu rio à mesma, e ele fica feliz.
Só não me perdoo de não ter sido eu a pensar nisto e a tomar a iniciativa.
Acho que não fui grande amiga do António, porque precisei que ele me telefonasse a pedir o que eu deveria ter adivinhado.
Com o António, sinto que fui um bocado estafeta.
«JN» de 29 de Agosto de 2009