segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Vale a pena escolher comida orgânica?


Por Nuno Crato

É UMA QUESTÃO QUE MUITOS CIENTISTAS não gostam de colocar, pois as variáveis são muitas e as conclusões difíceis. Pior: corre-se o risco de parecer estar de um lado ou de outro da barricada. Quem critique os vegetais criados sem fertilizantes artificiais pode ser acusado de estar a soldo das empresas de adubos químicos. E quem defenda a comida orgânica pode parecer promotor desse negócio florescente. Mas nós — nós público consumidor — gostaríamos de saber.
Há poucos dias, um grupo de seis investigadores da escola de saúde pública inglesa, a célebre London School of Hygiene and Tropical Medicine, divulgou uma grande síntese de resultados sobre uma pergunta específica: o valor nutritivo da comida orgânica é superior ao da comida produzida de forma tradicional?

O trabalho será publicado em Setembro na revista American Journal of Clinical Nutrition. No entanto, como vem sendo hábito entre algumas revistas científicas, os resultados foram divulgados à imprensa ainda antes da publicação. O público interessado pode lê-los na Internet (www.ajcn.org, doi:10.3945/ajcn.2009.28041).

Os seis especialistas ingleses não fizeram trabalho de laboratório. Recolheram e seleccionaram trabalhos já feitos. Nas bases de dados científicas, consideraram mais de 52 mil artigos produzidos nos últimos 50 anos, dos quais seleccionaram 162 por terem estudos originais sobre o tema. Desses 162, escolheram apenas os que estavam elaborados com alto rigor científico e que tinham estudos conclusivos sobre os 11 nutrientes considerados mais importantes. Restaram 55 estudos fiáveis e conclusivos, que incluíram 24 análises de campo, 27 amostragens em herdades e 4 análises de cestos de compras.

Na selecção que fizeram exigiram cinco definições claras: do sistema de produção usado, da variedade de planta ou animal, do nutriente analisado, do método laboratorial e dos métodos estatísticos seguidos. «A nossa revisão» da literatura científica, escreveram, «sublinhou a heterogeneidade e fraca qualidade da investigação feita nesta área».

Há um ano, foi feita uma revisão de literatura científica ainda mais vasta e numa área talvez ainda mais polémica e mais marcada ideologicamente — a educação matemática. Um painel norte-americano muito diverso trabalhou durante dois anos na análise dos estudos existentes (www.ed.gov/MathPanel). As conclusões foram devastadoras. Dos mais de 16 mil estudos seleccionados por terem matéria relevante, menos de 15% foram considerados satisfazerem um mínimo rigor científico. A larga maioria dos estudos em educação matemática está atulhada de ideologia e falha de fundamentação rigorosa.

A investigação dos alimentos orgânicos tem problemas semelhantes. Defronta-se com um romântico regresso à natureza que criou um mercado florescente, atingindo mais de 30 mil milhões de euros em 2007. Mas o estudo dos especialistas ingleses é esclarecedor. Dos 11 nutrientes estudados, os vegetais produzidos de forma tradicional ganham num caso e perdem em dois. Nos restantes oito nutrientes, não há quaisquer diferenças significativas. No caso dos animais não há nenhuma diferença de conteúdo nutritivo.

A comida orgânica pode saber melhor e talvez seja mais saudável. Os investigadores britânicos nada nos dizem sobre esse e outros aspectos do problema. Mas o seu valor nutritivo não parece valer a diferença de preço.

«Passeio Aleatório - «Expresso» de 15 de Agosto de 2009